O julgamento sobre a suspensão do piso da enfermagem terminou nesta sexta-feira (16), no Supremo Tribunal Federal (STF), com placar de sete votos a favor da liminar do ministro Luís Roberto Barroso contra quatro posições contrárias. O ministro suspendeu o piso no último dia 4.
O caso foi avaliado pelos magistrados em plenário virtual e esta era a data-limite para que eles pudessem alterar o voto, pedir vista ou apresentar pedido de destaque, iniciativa que zera o placar e transfere o julgamento para o plenário presencial, com debate entre os ministros.
Com a consolidação da contagem dos votos, a disputa terminou da seguinte forma: os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux votaram com o relator, enquanto André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin e Rosa Weber divergiram de Barroso.
Com isso, fica mantida a suspensão da aplicação do piso por 60 dias, período estipulado pelo relator para que entes públicos e privados apresentem um detalhamento de custos relacionado ao cumprimento dos novos valores salariais previstos para a categoria. O piso do segmento entrou em vigor no mês passado, por meio da Lei 14.434, e prevê R$ 4.750 de salário para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.
"Os trabalhadores da enfermagem são os profissionais que carregam os hospitais nas costas. Eu lamento que alguém alegue que esse piso, que é pequeno, é que vai gerar quebradeira orçamentária", disse ao Brasil de Fato a presidenta da Associação Brasileira de Enfermagem (Aben) no Distrito Federal, Rosalina Sudo.
Já a presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Shirley Morales, afirma que a categoria ficou "muito impactada" com o resultado do julgamento. "A gente teve o voto do Gilmar Mendes, por exemplo, que encheu de profunda indignação os trabalhadores da enfermagem porque ele fez uma afirmação de que o piso teria 'efeitos perversos' pra sociedade", queixa-se.
No voto, o ministro afirmou que "embora não haja dúvida alguma quanto às funções sociais que se pretendem alcançar por meio da norma – assim como o merecimento do recebimento dos valores por ela estipulados para os profissionais aos quais é endereçada –, não se pode perder de vista os eventuais efeitos perversos que a lei, cheia de boas intenções, pode produzir na prática".
Mendes apontou, entre outras coisas, que alguns estados e municípios atravessam atualmente um "estado de penúria" e têm "dependência significativa" em relação aos Fundos de Participação dos Estados e Municípios. "Nesse contexto, é preocupante o resultado que medidas normativas como essas podem vir a gerar, caso não haja uma forma sistemática de repasses de recursos federais para que os entes subnacionais possam fazer frente ao vertiginoso aumento de despesas decorrentes da aplicação da lei", disse.
O ministrou entendeu que a fixação do piso da enfermagem em uma legislação sem a indicação das fontes de custeio da medida para o setor público viola a autonomia político-administrativa e financeira dos entes federados. Gilmar disse ainda que medidas do tipo "geram consequências nefastas no setor privado que frontalmente vulneram o princípio da segurança jurídica: externalidades negativas, como o muito provável aumento de demissões de profissionais da enfermagem".
O argumento é semelhante ao que foi dito pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços (CNSaúde), que questionou o piso alegando que a medida traria riscos à empregabilidade no setor e ao sistema de saúde por supostas consequências de demissões e redução de leitos, entre outras. A entidade é autora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222, que gerou a liminar colocada em julgamento esta semana pelo STF.
Ao acolher o pedido da CNSaúde e suspender os efeitos da lei do piso, Barroso utilizou como argumentos as questões da situação financeira de estados e municípios, da empregabilidade e da qualidade dos serviços de saúde.
"Colocar o piso da enfermagem como se isso fosse o grande problema do financiamento da saúde no país não é só injusto. É algo que a gente vê como crueldade, já que esses trabalhadores e trabalhadoras fizeram tanto a defesa da vida no país e hoje estão lutando pra garantir a segurança alimentar das suas famílias. Não é justo que o direito do trabalhador seja colocado como um causador de um caos na sociedade", reage Shirley Morales.
"Nós respeitamos o STF e suas decisões, assim como os demais Poderes, daí a importância do voto da ministra Rosa Weber em favor da enfermagem brasileira, assim como o voto dos outros que se posicionaram dessa forma. Isso é muito importante pra que haja a compreensão de que não há uma unanimidade no Poder Judiciário acerca da criminalização do piso da enfermagem", emendou a dirigente da FNE.
Em seu voto a respeito do caso, Weber afirmou, por exemplo, que a avaliação de riscos apontada pela CNSaúde não pode prevalecer no julgamento sobre as conclusões que foram formuladas pelo Congresso Nacional. A ministra lembrou que o processo de aprovação da norma no Legislativo foi feito "com base em estudos e relatórios elaborados em conjunto com os representantes dos setores público e privado, inclusive com órgãos e entidades da sociedade civil organizada".
Jurisprudência
Especialistas afirmam que a decisão tomada pelo Supremo no julgamento contraria a jurisprudência do próprio STF, que já reconheceu, por exemplo, o piso do magistério. É o que aponta o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Danilo Morais, também professor da pós-graduação em Direito do Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais (Ibmec), faculdade sediada na capital federal.
"Devemos recordar que os pisos salariais são medidas legislativas amplamente admitidas na jurisprudência do Tribunal, que inclusive julgou válido o piso dos médicos neste ano de 2022", observa, ao lembrar que a Constituição Federal prevê a existência de legislação federal sobre o piso de três categorias. São elas: professores da educação básica, agentes comunitários de saúde e, agora, mais recentemente, profissionais da enfermagem.
Após a aprovação da Lei 14.434, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 124, responsável pela inserção do piso nacional da enfermagem na Carta Magna. A emenda foi promulgada em meados de julho deste ano.
"Assim, a lei do piso não apenas é compatível com a ordem jurídica, como também dá estrito cumprimento ao previsto no art. 198, § 12, da Constituição, segundo o qual 'lei federal instituirá pisos salariais profissionais nacionais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira, a serem observados por pessoas jurídicas de direito público e de direito privado', argumenta Morais, ao citar a norma.
Com a confirmação da liminar do ministro Luís Roberto Barroso pelo plenário do Supremo, a suspensão da medida fica valendo até que o STF tome novas decisões a respeito do caso, que ainda deve ter o mérito avaliado. Não há previsão de data para isso.
"Depois, quando houver o julgamento do mérito em plenário, iremos trabalhar pela revogação da liminar – seja no plenário virtual, seja no presencial, mas esperamos que seja presencial –, defendendo a validade da lei e trabalhando também com eventuais discussões do Congresso Nacional, o que já vem sendo feito através do presidente do Senado", afirma o assessor jurídico da FNE, André Caetano.
Congresso Nacional
No Legislativo, o jogo político que envolve a pauta está em movimento mesmo durante este período, quando os parlamentares suspendem a agenda de votações para se dedicar às eleições de outubro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), agendou para a manhã de segunda-feira (19) uma reunião de líderes das bancadas da Casa. A ideia é colocar em discussão a pauta do financiamento do piso e discutir possíveis encaminhamentos.
Paralelamente, o líder da oposição na Casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou nesta sexta-feira (16) um projeto de lei que propõe o custeio da medida por meio de uma compensação da União para estados, municípios e Distrito Federal. Para isso, seriam utilizados recursos do Fundo Nacional de Saúde durante o próximo quadriênio. A medida deverá ser um dos pontos abordados na reunião das lideranças partidárias na segunda.
ATENÇÃO! Acabo de protocolar Projeto de Lei para GARANTIR, definitivamente, o Financiamento do Piso Nacional da Enfermagem. Estamos pedindo que a União compense, via repasse do Fundo Nacional de Saúde, os estados, DF e municípios durante os próximos 4 exercícios fiscais.
— Randolfe Rodrigues (@randolfeap) September 16, 2022
Edição: Thalita Pires