O discurso pró-garimpo do presidente Jair Bolsonaro e os cortes orçamentários impostos à fiscalização ambiental geraram não apenas um aumento desta atividade ilegal no país, mas também um novo fenômeno nas eleições deste ano. É a presença de candidatos ligados ao garimpo e que, em alguns casos, carregam a legalização da atividade como bandeira eleitoral.
A Repórter Brasil levantou os sete principais candidatos a diferentes cargos ligados à atividade. Alguns desses atores conhecem bem os corredores de Brasília, enquanto um é novato na política. Cinco são milionários. E todos são muito próximos, de alguma maneira, ao garimpo – seja defendendo a categoria, seja fazendo parte dela.
A maior parte deles disputa a eleição pelo Pará, estado que concentra a maior região garimpeira do país – nos municípios de Itaituba e Jacareacanga –, bem como terras indígenas que vêm sendo dilaceradas pela atividade ilegal.
É o caso de Flexa Ribeiro (PP-PA), consultor da Associação Nacional do Ouro e um velho conhecido entre os defensores do garimpo que tenta retornar ao Senado, onde esteve de 2011 a 2019. Recentemente, ele afirmou que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) deveria “educar” os garimpeiros em vez de “reprimir” os que praticam a atividade ilegalmente.
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Quando era senador, Ribeiro – que tem patrimônio declarado de R$ 9,8 milhões – comandou a comissão mista que analisou a redução da proteção da Flona Jamanxim, no sudoeste do Pará, uma área vizinha de terras indígenas cobiçadas pelo garimpo. Também foi relator da Medida Provisória que alterou o Código Mineral e deu poder aos garimpeiros.
Nas eleições de 2018, em que foi derrotado, Ribeiro tinha como candidato a 1º suplente Dirceu Frederico Sobrinho, dono da FD’Gold – empresa investigada pela Polícia Federal por suspeita de comercializar ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, como revelou a Repórter Brasil. Pertencia a Sobrinho os 78 quilos de ouro apreendidos em São Paulo em maio deste ano.
À Repórter Brasil, a assessoria de imprensa da FD’Gold afirmou que “não comercializa ouro de origem duvidosa, muito menos de terras indígenas” e que “todo processo de transação comercial acontece mediante emissão de nota fiscal, obedecendo a regulamentação nacional para o setor”. Ainda por meio de nota, a empresa diz que “repudia qualquer tipo de inverdade, fake news e prática fora da legislação brasileira” (leia a íntegra).
Para o pleito deste ano, Ribeiro atraiu suplentes igualmente milionários: o pecuarista Enric Lauriano e o empresário Leandro Raul, que registraram fortunas de R$ 3,3 milhões e R$ 1 milhão, respectivamente.
“Desde 1988 não havia um momento tão forte para o garimpo enquanto projeto político e atividade econômica na Amazônia como agora, de 2019 para cá”, afirma Luísa Molina, antropóloga e consultora do ISA (Instituto Socioambiental). “Essas candidaturas são a confirmação do fortalecimento político desses atores e da ascensão do bolsonarismo.”
Outro candidato pró-garimpo e que liga seu nome a uma empresa investigada é Roberto Soares da Silva, ou Beto Silva Ourominas, como se apresenta na campanha. Estreante na política, ele disputa uma cadeira de deputado federal pelo PSC no Amapá e declarou patrimônio de R$ 100,1 milhões, distribuídos entre um sítio rural e a posse de um aplicativo da Ourominas para investimento.
Investigada ao lado da FD’Gold por suposta comercialização de ouro proveniente da TI Yanomami, a Ourominas também é citada como uma das principais compradoras do metal de origem ilegal ou potencialmente ilegal no país, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais. Já esteve na mira da Polícia Federal algumas vezes, respondendo hoje a uma ação na Justiça. O presidente da Ourominas, Juarez de Oliveira Silva Filho, é irmão de Roberto.
Nas redes sociais, a campanha de Beto Silva Ourominas é discreta. Mantém apenas uma página no Facebook, com poucas e raras atualizações. No entanto, em seu registro de candidatura junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa página não consta, e as listadas não são dele. O mesmo vale para o suposto canal no Telegram e perfil no Instagram. Seu slogan de campanha, “minha luta diária é por você”, passa longe da causa garimpeira.
Procurada, a assessoria de imprensa da Ourominas primeiro disse que Roberto não tinha ligação com a empresa e que a mesma não apoia nenhum candidato nessas eleições. Após ser questionada novamente pela reportagem, a empresa recuou e afirmou que “usar o nome da Ourominas foi uma iniciativa dele” e reforçou que a companhia não apoia ninguém. A Repórter Brasil tentou contato por e-mail com a campanha do candidato, mas não obteve resposta.
Dos 28 mil postulantes desta eleição, 3.482 declararam patrimônios milionários. Roberto SIlva está em uma lista ainda mais seleta, a dos 50 mais ricos, de acordo com levantamento realizado pelo UOL. Mesmo em tempos de campanha nas redes sociais, o dinheiro é um importante fator nessa disputa, de acordo com Arthur Fisch, pesquisador associado do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV-SP. “O dinheiro importa. Prova disso é que o fundo eleitoral mais que dobrou de 2018 pra cá”, diz. Segundo Fisch, os candidatos ricos saem em vantagem porque não dependem do partido e nem da arrecadação de outras fontes, já que podem se autofinanciar.
É o caso do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), que concorre à reeleição. Com um patrimônio declarado de R$ 1,8 milhão, até o momento ele é seu maior financiador: colocou em sua campanha R$ 92 mil do próprio bolso, segundo informações do TSE. Na Câmara, a atuação de Passarinho passa pela autoria de um projeto de lei que autoriza empresas a comprar ouro diretamente do garimpo (PL 6432/2019).
Além disso, recebeu comitiva de garimpeiros em Brasília, juntamente com membros do governo federal. Em sua página no Facebook, divulgou um vídeo da reunião com a marca #garimpolegal. “Seguimos trabalhando, dia após dia, junto ao Governo Federal, para que todos possam trabalhar dentro da legalidade”, escreveu.
O vereador de Itaituba (PA) Wescley Tomaz (PSC-PA) era um dos membros dessa comitiva e voltou a se reunir com membros do governo em abril deste ano. Eleito em 2020 para o seu terceiro mandato na Câmara Municipal, ele se autodenomina “o vereador dos garimpeiros” e é uma das principais vozes do setor junto ao governo federal. Candidato a deputado estadual pelo Pará, ele se apoia no discurso da “regulamentação” do garimpo. “Meu trabalho não é defender garimpo ilegal. A gente trabalha pela regularização do garimpo irregular. O que está irregular pode se tornar regular”, diz.
Wescley considera ainda que a regularização do garimpo é “uma necessidade”. “A mineração é o caminho para salvar a economia no Brasil”, afirmou à Repórter Brasil. Apesar de aparecer no vídeo publicado por Joaquim Passarinho na ocasião da reunião em Brasília com representantes do garimpo, Wescley não confirmou que faz parte do grupo de articuladores junto ao governo (leia a resposta na íntegra).
O vereador foi um dos poucos dentre os próximos ao garimpo que declarou patrimônio abaixo de 1 milhão (R$ 658 mil).
Abrindo portas
Organizar encontros de representantes do garimpo com membros do governo federal é outra ponta da atuação desses candidatos. Em fevereiro, a Repórter Brasil mostrou que o senador Zequinha Marinho (PL-PA) beneficiou com contatos em Brasília a Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores de Ourilândia e Região (Cooperouri), que entrou na mira da PF sob suspeita de integrar uma grande organização criminosa que atua na extração clandestina de ouro no sul do Pará. Recentemente, reportagem da Pública mostrou outras articulações do político para dar voz a garimpeiros, grileiros e madeireiros que atuam na Amazônia. Candidato de Bolsonaro ao governo do Pará, Zequinha Marinho declarou um patrimônio de R$ 2,2 milhões.
Apesar das poucas chances de se eleger governador – o favorito é Helder Barbalho (MDB), que aparece com 65% das intenções de voto em pesquisa recente –, Zequinha tem planos junto ao Planalto. “Vou fazer uma grande parceria com o governo federal para a gente encontrar saídas legais para a atividade da pequena mineração”, disse à Repórter Brasil. “De igual forma, eleito governador, vamos fazer aqui no nosso estado o maior programa de regularização fundiária em parceria com o governo federal.”
Sobre a reportagem recente da Pública, ele nega que esteja fazendo articulação em Brasília. “Não trabalho para garimpeiro e nem para grileiro. Eu defendo primeiro a regularização da atividade garimpeira, do pequeno minerador”, afirmou. “Meu trabalho é fazer o governo encontrar um caminho para atender milhões de pessoas que trabalham nessa região aqui e, às vezes, trabalham de forma clandestina porque o governo não trabalha a regulamentação da sua atividade” (leia as respostas na íntegra).
Nessa mesma esteira, está o deputado José Medeiros (PL-MT), candidato à reeleição e apontado como um dos principais defensores da regulamentação do garimpo ilegal, além de ser vice-líder do governo na Câmara e muito próximo ao presidente Bolsonaro. Ele é autor do projeto de lei (571/2022), que transfere ao presidente da República o poder de autorizar a mineração em terras indígenas e outras áreas protegidas, e aparece como sexto deputado que mais atuou contra o meio ambiente e os povos do campo no Ruralômetro 2022. Seu patrimônio é modesto em comparação aos demais – R$ 254,2 mil declarados –, sendo uma das duas únicas exceções entre os milionários deste levantamento. Procurada, a assessoria de imprensa de José Medeiros, assim como a de Flexa Ribeiro, não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil.
Já o empresário Rodrigo Mello – ou Rodrigo Cataratas (PL-RR) como é conhecido – declarou possuir R$ 33,5 milhões, dos quais R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo. Garimpeiro assumido, ele se apresenta no estado como representante do movimento “Garimpo é legal” e afirma ter Permissão de Lavra Garimpeira em Roraima, estado por onde pretende se eleger deputado federal. Caso eleito, diz que buscará a regularização das cooperativas de garimpeiros e defenderá a liberação do garimpo dentro de terras indígenas. “A grande maioria dos indígenas quer o desenvolvimento, quer a agricultura, quer a pecuária, eles querem minerar, querem garimpar em suas terras. Vamos buscar essa regularização para o indígena fazer a sua atividade econômica em suas terras”, afirmou à reportagem.
Vestindo sempre uma camiseta com a bandeira do Brasil, Cataratas foi recentemente indiciado pela Polícia Federal por usurpar bens da união – ouro e cassiterita – da Terra Indígena Yanomami. Ele também teve três aeronaves de sua frota apreendidas e é acusado de lavagem de dinheiro.
À Repórter Brasil ele afirmou que suas aeronaves estavam prestando serviço para o Distrito Sanitário Yanomami e que, por isso, estavam sobrevoando a TI. “O que existe são investigações”, afirmou. “Não foi aberta nenhuma ação penal contra a minha pessoa e, se for aberta, responderei tranquilamente a essa ação” (leia a resposta na íntegra).
De acordo com um levantamento divulgado em abril pela HAY (Hutukara Associação Yanomami), o garimpo na região cresceu 3.350% entre 2016 e 2020, e, até o ano passado, 3.272 hectares da TI Yanomami já haviam sido atingidos pela mineração.