Coluna

As viagens do Albertinho

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Na época não era tão fácil viajar para o exterior. E também não tinha Google, nada disso. Mas ele comprou mapas e revistas, decorou os mapas e endereços de um monte de coisas - Creative Commons
Se ele não viajava nem dentro do Brasil, imagine no exterior

O Albertinho é um amigo que eu não vejo há muito tempo. Era, e acho que deve ser até hoje, o tipo de sujeito que não sai de São Paulo por nada, nem a passeio. Segundo me contaram, sem muita convicção, já tinha ido uma ou duas vezes ao Rio e a Santos.

E eu consegui a proeza de fazer o Albertinho a ir a Minas Gerais uma vez. Foi sua mais longa viagem. Quando souberam que ele e a namorada dele viajaram comigo para Belo Horizonte e algumas cidades históricas, muitos amigos não acreditaram. Acharam que eu estava inventando.

Eu tive uma namorada uma vez que parecia um pouco com ele. Ela nasceu em Santos, morou uns anos em Londres e veio para São Paulo. Conhecia só essas três cidades: Santos, São Paulo e Londres. Mais nenhuma!

O Albertinho era mais radical nisso de não viajar. Se ele não viajava nem dentro do Brasil, imagine ir pro exterior. Não conheceu Londres, como ela. Mas sabia tudo sobre Nova York. Não que fosse americanófilo, ao contrário, odiava pessoas que ficavam falando maravilhas dos Estados Unidos. Estudou detalhadamente Nova York por isso.

Hoje é fácil saber endereços lá, ver coisas na internet, até fotos de casas e prédios em determinados endereços, saber muito sobre restaurantes, museus, teatros e qualquer coisa... basta procurar no Google. E viajar pra Nova York é fácil também, tem pacotes de viagens saindo quase todos os dias, com preços acessíveis a uma classe média que baba de vontade de ser gringa.

Na época não era tão fácil viajar para o exterior. E também não tinha Google, nada disso. Mas ele comprou mapas e revistas, decorou os mapas e endereços de um monte de coisas.

Quando via alguém se exibindo, contando sua viagem a Nova York, entrava no assunto perguntando de lugares que certamente um turista comum não iria:

— Você foi no restaurante tal, na esquina da rua x com a avenida y?

— Não, não fui... — o cara respondia.

— Conhece isso e aquilo em tal lugar?

— Não... não conheço.

Depois de algumas perguntas, xingava:

— Você não esteve em Nova York coisa nenhuma, está aqui falando de uma viagem que não fez só pra se exibir. Você não conhece nada de lá...

Quantas vezes eu me diverti vendo o Albertinho dando uma espinafrada dessas num gringófilo metido a besta! Eu só sorria, mas por dentro aplaudia...

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Gomes