O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem prometido durante sua campanha eleitoral que, se for reeleito, manterá o valor do Auxílio Brasil em R$ 600 a partir de 2023. Seu governo, entretanto, não incluiu recursos para isso em sua proposta de Orçamento da União para o ano que vem, contrariando a promessa do presidente.
Bolsonaro já foi questionado sobre como garantiria dinheiro para o auxílio de R$ 600, já que seu próprio governo prevê que o benefício em 2023 será de R$ 405. O presidente já falou em privatizar estatais para levantar capital. Já Paulo Guedes, atual ministro da Economia, falou em prorrogar o estado de emergência para driblar regras de controle do gasto público e manter o valor extraordinário do Auxílio Brasil.
Ambas as propostas, entretanto, têm problemas legais.
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A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe que o dinheiro arrecadado com a venda de bens públicos, como em privatizações, seja utilizado para bancar despesas correntes, que têm um caráter permanente, como salário de servidores.
Bolsonaro tem prometido transformar o Auxílio Brasil num programa permanente de transferência de renda e manter o valor atual dos benefícios. Isso, na prática, o torna um gasto fixo de governo, que não poderia ser financiado com dinheiro de privatizações.
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"Um benefício contínuo não pode ser financiado com uma receita que é única", explicou a economista e especialista em orçamento público, Roseli Faria. "Isso seria uma manobra ilegal, uma tremenda pedalada."
A economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo de Dilma Rousseff (PT), também vê problemas na proposta. Segundo ela, privatizações não garantem recursos ao longo do tempo. Assim, elas não poderiam financiar um programa permanente.
"Isso é uma aberração. Uma medida estúpida", criticou. "Não se abre mão de um patrimônio para pagar custeio. É insustentável."
Calamidade 'permanente'
Campello também critica a possibilidade de extensão do estado de emergência para pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil.
Esse estado foi instituído pela promulgação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Auxílios, em julho. Foi a PEC, defendida por Bolsonaro, que autorizou o governo a desrespeitar a Lei do Teto de Gastos e até a Constituição para aumentar o benefício social de R$ 400 para R$ 600 até o final do ano, às vésperas da eleição.
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O texto da PEC define que o estado de emergência era necessário já que houve no Brasil uma "elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo e combustíveis" relacionada à guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro.
Guedes declarou que, se a guerra não acabar, esse estado de emergência poderia ser prorrogado. Acontece que, neste caso, isso já não seria "imprevisível", segundo Faria e Campello. Por isso, isso seria ilegal.
"O que há neste governo é falta de planejamento e comprometimento do governo com a população de baixa renda", afirmou Faria. "Falta comprometimento até com regras fiscais."
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Instabilidade atrapalha
A historiadora Denise De Sordi pesquisadora de pós doutorado da FFLCH /USP e da COC/Fiocruz afirmou que esse governo ficará marcado pela instabilidade em políticas sociais. Instabilidade que, segundo ela, é provocada já que o governo Bolsonaro está comprometido mesmo com sua agenda econômica liberal.
De Sordi lembrou que Bolsonaro decidiu acabar com o Bolsa Família, que foi criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durou 18 anos e foi reconhecido internacionalmente por sua eficácia. Lembrou também que Bolsonaro criou o Auxílio Brasil, que a princípio duraria só até o final do ano, mas que agora ele promete estender.
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Segundo a historiadora, isso é péssimo para quem depende do auxílio do governo. Essas pessoas já estão fragilizadas pela situação de pobreza em que se encontram. Ficam ainda mais afetadas já que não sabem se podem contar com ajuda estatal.
"Eu tenho visto nas ruas pessoas, famílias inteiras que eu acompanho na distribuição das quentinhas por cozinhas solidárias, que estão com medo de ficar sem a comida na fila", disse ela. "É uma situação completamente brutal e indigna também. Muitos vezes, nas filas, há tumulto porque as pessoas têm medo de não conseguir pegar a quentinha."
Campello ratifica a instabilidade social criada por Bolsonaro. A ex-ministra acredita que isso, aliás, será um dos legados negativos deste governo.
"A insegurança alimentar é justamente a situação onde a família não sabe o que vai acontecer com a renda dela e se ela vai ter dinheiro pra comprar comida no mês que vem", disse ela. "É isto que está marcando a sociedade brasileira no governo Bolsonaro: a falta de previsibilidade das famílias e inclusive com relação se vão comer ou não."
Edição: Thalita Pires