Neste sábado (27) começa o horário eleitoral gratuito para candidatos a presidente e a deputados federais. Se hoje o peso dos programas de rádio e TV, com a concorrência da internet e do streaming, é bem menor do que em outras eras, ainda assim sinaliza o rumo das campanhas e norteia a militância.
A história dos programas remete ao Código de Telecomunicações, instituído em 1962, quando pela primeira vez foi contemplado o direito de acesso ao rádio e à televisão pelos partidos políticos. Nas emissoras de TV, eram reservadas duas horas para a propaganda partidária no período de noventa dias que antecediam as eleições gerais e a distribuição de tempo era feita de forma igual pela Justiça Eleitoral. Já no rádio, a obrigatoriedade era de trinta minutos nos sessenta dias anteriores às eleições, lembram os pesquisadores Luziane de Figueiredo Simão Leal e Filomeno Moraes, em artigo publicado na Revista de Teorias da Democracia e Direitos Políticos.
O horário gratuito de propaganda eleitoral sofreu uma mudança drástica em 1976, com uma nova legislação orientada pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, que propôs o Projeto da Reforma da Propaganda Eleitoral, originando a Lei Federal nº 6.339. Assim ficou impedido o debate livre, fator considerado como fundamental para a vitória da oposição nas eleições de 1974, que renovaram um terço do Senado Federal e todos os assentos da Câmara dos Deputados.
A nova legislação, conhecida como Lei Falcão, estabelecia que os partidos políticos deveriam somente mencionar a legenda, o currículo e o número de registro na Justiça Eleitoral, mostrando a fotografia dos candidato. Nas eleições de 1982, a Justiça Eleitoral permitiu a realização de debates entre os candidatos e também a propaganda paga na televisão, mas é a partir de 1985 que ela passa a ser um instrumento eleitoral importante, sendo crucial na eleição presidencial de 1989.
A TV nas eleições presidenciais pós-ditadura
E é no primeiro embate presidencial da redemocratização que surgem algumas pérolas. À época, o horário eleitoral teve uma extensão bem maior que hoje, indo ao ar de 15 de setembro a 12 de novembro e sendo transmitido diariamente em dois horários, acumulando 2 horas e 20 minutos.
Eram 22 candidatos. Os que detinham o maior tempo eram Ulysses Guimarães, do PMDB, e o ex-ministro da ditadura Aureliano Chaves, do PFL, juntos, os dois tinham 38 minutos.
No vídeo abaixo está o último dia do horário eleitoral no primeiro turno de 1989. É possível ver o candidato do PSD, fundador e primeiro presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Ronaldo Caiado, que em em sua campanha se dedicou a atacar o PT e a esquerda e, em seu último programa, usou uma suposta mensagem de Chico Xavier para atribuir a si o papel de "um homem montado no cavalo branco" que iria salvar o Brasil. O atual governador de Goiás terminou aquele pleito com 0,7%.
Ainda no campo da direita, a apresentadora Hebe Camargo pedia o voto para Paulo Maluf, que encerrava sua participação na televisão acompanhado de sua esposa e fazendo as vezes de homem de família. "Se você não quiser trazer para o Brasil o muro de Berlim e quiser evitar dois candidatos inexperiente, incompetentes e inadequados, me apresento", dizia, chamando um voto útil do campo conservador para evitar a ida de Lula ou Brizola para o segundo turno contra Collor.
O humor e a contundência do programa do PT
O PT aproveitou seu tempo de televisão para promover uma criativa campanha que contava com artistas da Globo e explorava atores que participavam da TV Pirata, utilizando ainda a estética do revolucionário programa de humor. Cristina Pereira, Guilherme Karan, Louise Cardoso, que faziam parte do elenco, estrelam no vídeo abaixo uma peça parodiando um famoso comercial de sabão em pó (a partir de 47:56).
Além do humor, o partido também utilizava seu espaço para fazer duras críticas a Fernando Collor e ao campo da direita. A fórmula deu certo. Para se ter uma dimensão do impacto da TV, antes da propaganda eleitoral gratuita, Leonel Brizola, do PDT, era o segundo colocado na pesquisa Gallup, com 14,8%, e Lula tinha 6,4%. No resultado final do primeiro turno, Lula superou o pedetista e foi ao segundo turno contra Collor.
"A campanha do PT foi fortemente marcada em seus discursos 'pela defesa da classe trabalhadora'. Durante toda a campanha, a imagem de Lula foi associada à de um trabalhador, com objetivo de criar um laço de identidade com o telespectador, com destaque na participação ativa dos movimentos sociais organizados na solução dos problemas", aponta Luis Celestino de França Júnior na tese de doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Transformações na Política: um estudo sobre o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral do Partido dos Trabalhadores (2002/2006).
Collor, o "novo" reciclado de sempre: "nem direita, nem esquerda"
Se teve um candidato que soube aproveitar a televisão para projetar sua imagem foi o vencedor daquela eleição, Fernando Collor de Mello. Antes mesmo do horário eleitoral, havia os programas partidários que eram exibidos no horário nobre, com uma hora de duração. Ele apareceu em três deles: no espaço do Partido da Juventude (depois PRN), do Partido Trabalhista Renovador (PTR) e do Partido Social Cristão (PSC) entre março e maio de 1989. Foi nesse período em que ele passou, no Ibope, de um dígito para mais de 40% de intenções de voto em junho.
O governador de Alagoas era o "caçador de marajás", apresentado como campeão da moralidade que lutava praticamente sozinho, sem o apoio de grandes partidos, da classe política ou da imprensa. Lembra outras figuras políticas mais atuais, não!?
Já no horário eleitoral gratuito, sua equipe explorava sua associação ao "moderno" e ao "novo", atacando o PT e o associando ao comunismo (que surpresa!) e ao atraso. No último programa do segundo turno, abaixo, pode-se ver parte desse discurso. "A divisão que o outro candidato tenta estabelecer entre nós não é verdadeira. Não se trata de direita e esquerda, esta discussão está sendo enterrada sob os escombros do Muro de Berlim. A correta divisão que me separa do meu adversário é uma ideia nova contra uma ideia velha, uma visão moderna contra uma visão atrasada, um futuro possível contra um passado já testado na Polônia, na Hungria, na Alemanha Oriental e na Tchecoslováquia."
"O novo é diminuir o tamanho da máquina do Estado para tornar o governo mais forte e mais eficiente no cumprimento de suas obrigações, do que ele deve fazer por você. Um governo que não atrapalhe a vida das pessoas", dizia ainda o candidato, adotando uma gramática bastante comum ainda hoje entre a direita. "Moderno é respeitar a poupança, a poupança é sagrada", disse ainda o homem que entraria para a história como autor de um dramático e inútil confisco que não controlou a inflação.
A frustrada candidatura de Silvio Santos
Os mais novos podem não saber, mas o apresentador e dono do SBT, Silvio Santos, foi candidato à Presidência da República. Insatisfeitos com a baixa adesão popular à candidatura de Aureliano Chaves, alguns caciques do PFL tentaram convencê-lo a desistir para que Silvio Santos assumisse o posto de presidenciável pela legenda. Sem sucesso, a saída foi viabilizar a entrada do dono do SBT em outra sigla, o Partido Municipalista Brasileiro (PMB), com a renúncia de Armando Corrêa.
Assim, em 31 de outubro, reta final de um primeiro turno que seria realizado em 15 de novembro, Silvio Santos entrava na corrida presidencial. Na TV, passou a, basicamente, orientar seus eleitores a votarem no número 26, já que todas as cédulas de papel já estavam impressas àquela altura com o nome de Corrêa. Seu jingle televisivo foi adaptado para a campanha e, de acordo com pesquisa Gallup divulgada em 2 de novembro, ele estava em primeiro lugar na disputa com 29%, passando Collor para trás.
Foram diversos os pedidos de impugnação de sua candidatura. Destaca-se um dos homens da tropa de choque de Collor, o então advogado em exercício Eduardo Cunha (aquele mesmo). Quando o ex-presidente da Câmara foi preso, em 2018, e Silvio Santos foi informado do papel dele na cassação de sua candidatura em 1989, o dono do SBT celebrou: "Ele que atrapalhou (a candidatura)? Bem feito, tá em cana!".
Edição: Rodrigo Gomes