O Brasil é, acima de tudo, uma grande fazenda e fonte de produtos primários para o mercado internacional. Em 2021, produtos de baixa e média intensidade tecnológica foram responsáveis por 67,7% dos US$ 280,39 bilhões (R$ 1.432,08 trilhão) que os brasileiros venderam para o exterior.
Já no campo da tecnologia, o país está longe de ter destaque e pode estar perdendo oportunidades diante da disputa entre China e Estados Unidos. Pequim e Washington trocam rusgas diplomáticas e sanções para tentar garantir a ponta em áreas como inteligência artificial, internet 5G e fabricação de semicondutores — os chips com processadores que movem celulares, computadores, tablets e drones.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) tem sido marcado por um alinhamento com a Casa Branca nessa rivalidade. O filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) louvou em novembro de 2020 a entrada do Brasil no programa "Clean Network", lançado pelo então presidente dos EUA Donald Trump para barrar a influência de empresas chinesas no setor. Para Eduardo, a iniciativa era uma chance de um 5G "sem a espionagem da China".
Apesar de o deputado federal, e então presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, apagar o post, a Embaixada da China no Brasil reagiu à publicação e a classificou como "infame".
A companhia chinesa Huawei lidera a tecnologia de 5G e seus equipamentos de telecomunicações já são usados no Brasil desde antes das investidas da família Bolsonaro.
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Apesar do poderio chinês, os Estados Unidos, e seus aliados como Taiwan (onde grupos buscam independência, mas que a China considera parte de seu território) e Coreia do Sul, dominam uma etapa anterior da área de tecnologias de informação e comunicação: os semicondutores. Com essa carta na mão, a Casa Branca tenta aplicar sanções para frear o crescimento tecnológico de Pequim.
No plano de governo que cadastrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para buscar a reeleição, Bolsonaro demonstra ignorar um fator que foi necessário para o desenvolvimento destas tecnologias nos países em que hoje elas prosperam e geram empregos e exportações significativas: o investimento público.
Sem citar o papel do governo, o programa do atual presidente quer que o país seja um "parceiro confiável em grandes projetos internacionais de pesquisa científica e tecnológica".
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente pesquisador visitante na Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, Uallace Moreira, destaca que o setor de semicondutores tem subsídios que variam entre 15% e 40% em países como EUA, Coreia do Sul e China. O pesquisador também afirma que ter o Brasil como "parceiro confiável", como mencionado no programa de reeleição, pode significar apenas abrir o mercado nacional com subsídios para empresas estrangeiras, sem fortalecer as companhias nacionais.
Além disso, o Governo Federal também atua para extinguir a estatal brasileira Ceitec — a única fabricante de semicondutores da América Latina.
"Em relação à política industrial de inovação, o governo Bolsonaro ignorou por completo a política industrial no Brasil. Isso é fato. O primeiro ato do governo Bolsonaro, junto com Paulo Guedes, foi acabar com o Ministério da Indústria", diz Moreira.
De acordo com Moreira, o Brasil perde uma "oportunidade extraordinária" com o atual governo. Para ele, o país perde a chance de mudar seu histórico subdesenvolvimento tecnológico diante da transição energética com a privatização da Eletrobras e os atuais rumos da Petrobras.
"Se você tem um país em crescimento, com o fortalecimento da chamada classe média, com poder de demanda, poder de consumo, o Brasil se torna uma potência que pode se beneficiar desse mercado internacional, desses conflitos. Por exemplo: o setor de semicondutores pode fazer joint ventures [empresas em parceria] com empresas chinesas e norte-americanas para transferência de tecnologia e ocupar alguns elos da cadeia produtiva em semicondutores. É uma janela de oportunidade extraordinária", diz o pesquisador visitante na Universidade Nacional de Seul.
Um exemplo recente que envolve a guerra na Ucrânia demonstra a importância do setor de semicondutores na geopolítica mundial. No mesmo dia, 24 de fevereiro, em que a Rússia invadiu seu país vizinho, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou sanções contra importações de alta tecnologia dos russos. Com a medida, Moscou viu seu acesso ao mercado destes chips vitais para a economia ser duramente afetado.
As tecnologias de informação e comunicação "têm esse caráter estratégico desde o seu nascedouro e isso permanece até hoje. E elas vão adquirindo novas dimensões estratégicas com o passar do tempo na medida que se difundem e vão sendo incorporadas ao aparato produtivo, na estrutura das grandes cidades, na medida que as infraestruturas críticas que sustentam a economia, que sustentam a vida urbana passam a depender dessas tecnologias", afirma a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Esther Majerowicz.
Pesquisadora de economia política internacional, Majerowicz destaca que, mesmo que o Brasil tivesse uma política externa que conseguisse obter concessões tecnológicas da China ou dos EUA, isso não seria suficiente sem uma articulação com políticas domésticas. "Até mesmo para absorver tecnologia eu preciso ter capacitação de investimento em educação", diz a professora da UFRN ao Brasil de Fato.
Edição: Arturo Hartmann