Presidente usou JN para mobilizar seguidores, com uma narrativa distinta de suas ações reais
Várias análises sobre a entrevista de Jair Bolsonaro no Jornal Nacional têm sido realizadas. Ao que parece, a aparição no programa da TV Globo não permitiu que ele saísse da bolha política que necessita avançar para vencer as eleições, nem foi completamente massacrado no debate realizado. Até porque, a TV Globo ainda faz uma mediação com os eleitores do presidente por interesse próprio, visto que é uma empresa privada de comunicação e busca ampliar sempre o seu alcance.
O que se viu foi um presidente da República que cria uma narrativa para movimentar os seus seguidores, embora seja distinta das suas próprias ações no Brasil real. A título exemplificativo selecionamos três trechos da entrevista que evidenciam a prática frequente de um discurso descolado da realidade. De acordo com a apuração do G1 (2022):
“Você não está falando a verdade quando diz ‘xingar ministros’” (Bolsonaro se dirigindo ao Bonner e se referindo aos Ministros do STF): Estas são as declarações do presidente nas seguintes datas:
- Setembro de 2021 - “Sai, Alexandre de Moraes, deixe de ser canalha, deixe de oprimir o povo brasileiro.”
- Julho de 2021 - “Só um idiota para fazer isso aí. É um imbecil”. (se referindo ao Ministro Barroso).
- Agosto de 2021 – ““Aquele filho da puta (...) está atrás de mim. Aquele filho da puta do Barroso.” em Joinville.
“Eu não errei nada do que eu falei” (se referindo a pandemia): O presidente orientou o uso de medicamentos ineficazes contra a COVID como hidroxicloroquina e ivermequitina; em agosto de 2020 disse que a eficácia da máscara era quase nenhuma; disse que a crise do coronavírus não era isso tudo que a mídia propagava em fevereiro de 2020 e o resultado disso foi uma recessão global no mundo e quase 700 mil mortos no Brasil até agora.
“Nós estamos em um governo sem corrupção”: O ex-Ministro da Educação Milton Ribeiro foi preso pela Polícia Federal acusado por corrupção passiva e tráfico de influências em um esquema de repasse de verbas do MEC com o intermédio de pastores; há uma investigação em andamento que aponta envolvimento do ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles envolvido em esquema de contrabando e exportação ilegal de madeira de madeira; dentre outros casos.
Essa forma de agir e se comportar está relacionada com uma categoria que os seguidores do presidente conhecem, mas nem sempre sabem utilizar: a ideologia. Se a ideologia disser tudo, inclusive o real, ela se destrói por dentro. Althusser, autor francês que estudou profundamente o tema, salienta que a ideologia não é a absoluta falsa compreensão da realidade, mas apreensão parcial da realidade, como aparência. Falta a essência. O que propaga a ideologia não é a qualidade do argumento, mas a quantidade de aparelhos ideológicos que reproduzem isso. A ideologia nunca dirá, “sou ideológica”, daí a razão de se colocar fora, como Bolsonaro faz. Embora esteja reproduzindo a sua linha ideológica.
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Hoje o que está em jogo é até que ponto a realidade conseguirá se impor sobre uma narrativa com essa carga ideológica, capaz de hipnotizar pessoas e grupos sociais. Uma narrativa que diz pouco sobre a realidade, ao mesmo tempo que castiga milhões de pessoas que se tornam cada vez mais impotentes com a sua reprodução. Há uma oportunidade de reverter esse jogo. As cartas estão na mesa.
Edição: Glauco Faria