ENDIVIDAMENTO

Consignado do Auxílio Brasil: conheça os riscos de contratar o empréstimo

Beneficiário do programa social pode acabar comprometendo renda futura por dinheiro imediato

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

Ouça o áudio:

Auxílio Brasil começou a operar no final de 2021, substituindo Bolsa Família, programa instituído pelo governo Lula que durou 18 anos - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O governo federal deve autorizar nos próximos dias que bancos passem a fazer empréstimos com prestações descontadas diretamente dos pagamentos do Auxílio Brasil. O presidente Jair Bolsonaro (PL) já sancionou a lei que cria esse tipo de crédito e o Ministério da Cidadania divulgou as primeiras regras sobre seu funcionamento.

O ministro Ronaldo Vieira Bento anunciou que não haverá qualquer limite de juros para os empréstimos. Isso exigirá que os interessados nesse serviço financeiro tenham atenção redobrada para que o crédito não vire um problema no futuro.

Saiba mais: Falsa simetria: entenda por que comparar Lula e Bolsonaro é absurdo, segundo especialistas

É mesmo necessário?

O economista Miguel de Oliveira, diretor executivo da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), explicou que a primeira pergunta que o beneficiário do Auxílio Emergencial precisa fazer antes de buscar um empréstimo é: ele é mesmo necessário?

Oliveira explica que o crédito, na prática, antecipa parcelas do auxílio social. Essa antecipação, porém, tem um custo, que estarão embutidos nos juros e taxas que o banco cobrará.

Entenda: Governo libera juro do consignado do Auxílio Brasil e bancos já falam de 100% ao ano

Isso quer dizer que um beneficiário do auxílio pode receber, de uma vez, cerca de R$ 2.000 contratando o consignado. Dependendo dos juros cobrados pelo banco, terá de devolver mais de R$ 3.800 ao banco, quase o dobro do que recebeu.

:: MP que financeiriza Auxílio Brasil transfere dinheiro a bancos ::

Posso pagar?

Oliveira disse também que o empréstimo tem que ser pago. E que, por ser vinculado a um benefício social, não há como atrasar prestações.

"Há dívidas que, se você não consegue pagar, fica com o nome sujo e não tem nenhuma consequência maior que isso", explica o economista. Já com o empréstimo com desconto direto no Auxílio é diferente. "Esse tipo de empréstimo obriga o desconto do benefício. Então o beneficiário tem que ter ciência que não vai poder contar integralmente com o auxílio do governo."

O Auxílio Brasil terá valor fixo de R$ 400 por mês. Beneficiários receberão, excepcionalmente, até dezembro, R$ 600. Pela lei, as prestações do consignado podem comprometer até 40% do valor permanente do benefício. Isso significa que as parcelas serão de até R$ 160.

:: Consignado do Auxílio Brasil ainda não está liberado ::

Quem contratar o empréstimo utilizando toda a margem de desconto, receberá no máximo R$ 440 até dezembro. A partir de janeiro, o benefício cairia para R$ 240.

"Você vai dar um crédito de R$ 2.000, vai antecipar o equivalente a cinco parcelas. O beneficiário, vai gastar tudo em um mês, no máximo, dois meses. O que vai acontecer? Aí passa a receber R$ 240. É suficiente?", questiona a coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.

E se eu perder o benefício?

Amorim afirmou que quem contrata um empréstimo vinculado ao Auxílio Brasil precisa saber também que o benefício não tem pagamento garantido indefinidamente. E, mesmo que o governo suspenda o pagamento por algum motivo, a dívida do consignado poderá ser cobrada pelo banco da forma como ele achar conveniente.

Perde o direito ao Auxílio Brasil quem não cumprir as condicionantes previstas no programa. É exigido, por exemplo, que o beneficiário mantenha a frequência escolar de seus filhos e que mantenha a carteira de vacinação atualizada.

:: Auxílio Brasil: empréstimo consignado representa financeirização de políticas sociais no país ::

Beneficiários que arrumem emprego formal e obtenham renda de mais de R$ 525 por pessoa da família também deixarão de receber o benefício depois de dois anos.

Amorim explicou que, nesses casos, se o empréstimo ainda não tiver sido quitado, ele tende a virar uma dívida em nome do beneficiário.

"Ninguém tem garantia de que ficará recebendo auxílio durante todo tempo que vai parcelar o empréstimo. Se essas pessoas saírem do programa, a responsabilidade do pagamento do crédito segue exclusiva dos beneficiários", afirmou ela.

:: Pobreza recorde: um em cada quatro dos brasileiros não consegue pagar contas e vive na pobreza ::

Quais as condições do empréstimo?

Oliveira, da Anefac, também afirmou que é necessário saber exatamente quais as condições do empréstimo antes de contratá-lo, especialmente juros e prazo. Segundo ele, como o governo decidiu não criar regras específicas para o consignado vinculado ao Auxílio, cada instituição vai decidir as condições do empréstimo.

Juros mais altos encarecem o crédito e tendem a reduzir o valor total do empréstimo, já que a parcela tem valor limitado. Já prazos mais longos fazem com que, ao final, o beneficiário do Auxílio Brasil acabe comprometendo mais o seu benefício com os pagamentos.

:: Sucateamento explica milhões de famílias sem Auxílio Brasil ::

Oliveira, aliás, disse que parte dos beneficiários do Auxílio Brasil não tem familiaridade com crédito bancário ou contas sobre juros. Por isso, ele considera temerária a iniciativa do governo de vincular o benefício social a empréstimos e considera que a medida acabará agravando o endividamento de famílias no país, que já está em nível recorde.

Preciso pagar para obter empréstimo?

Oliveira também esclarece que não é preciso pagar nenhuma taxa para obter um empréstimo em banco. Se alguém que oferece o consignado pede esse tipo de adiantamento, provavelmente está cometendo fraude.

O economista explicou que todas as taxas referentes ao crédito virão embutidas no total da parcela do consignado. Portanto, caso o beneficiário precise mesmo do consignado e o contrate, primeiro receberá o dinheiro do empréstimo. Só depois começará a pagar as prestações referentes a ele.

::77% das famílias estão endividadas; mais de 28% estão inadimplentes::

"Não precisa pagar nada pra conseguir empréstimo", alertou. "Vai ter um monte desses pilantras aí dizendo para pagar, mas não tem nada disso."

Edição: Thalita Pires