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Barreado virando sanduíche

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Há muitos anos, em Antonina, passei por uma lanchonete e ela tinha na porta uma placa com as ofertas da casa: x-burguer - Creative Commons
Dizem que o hábito de comer escargô, quer dizer caracol, começou durante uma crise de fome na França

Vocês já repararam que muitas comidas saborosas ou famosas foram criadas por trabalhadores ou escravos?

Isso sem contar que em crises de fome as pessoas topam comer coisas que achavam que nunca comeriam, mas experimentam, gostam, e às vezes passa a ser comida cara, de luxo.

Dizem que o hábito de comer escargô, quer dizer caracol, começou durante uma crise de fome na França.

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No Brasil, muitas comidas foram criadas por escravos, a quem o “senhor” só dava o que ele achava ruim. Do porco, no Rio, sobravam para os escravos as orelhas, língua, focinho, pés...

Pois com a criatividade deles, juntaram essas partes desprezadas do porco ao feijão e à farinha de mandioca criada por indígenas, e assim nasceu nossa apreciada feijoada.

Em alguns lugares de Minas Gerais, os escravos criaram a canjiquinha com suã. Canjiquinha é o milho quebrado, a quirela, que precisa ficar muitas horas de molho até amolecer e tornar-se “comível”. Com o suã — a coluna dorsal do porco, que os senhores desprezavam — virou um prato muito apreciado.

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No Nordeste, no início da colonização, criava-se gado só para exportar o couro para a Europa. A carne não tinha valor. Então, os pobres começaram a secar a carne e transformaram a carne de sol numa comida muito apreciada.

No Paraná, os trabalhadores (não escravos, mas pobres) só tinham acesso à carne de vaca fibrosa, que nem era de segunda, mas de terceira, e inventaram um jeito de fazer que ela ficasse macia e saborosa.

Colocavam numa panela de barro com muitos temperos, tampavam a panela e punham barro vedando todas as possíveis saídas de ar (daí o nome barreado), punham para cozinhar no fogo lento do fogão a lenha enquanto iam trabalhar, e depois de muitas horas tinham uma gororoba com aspecto meio feioso (como a feijoada, aliás), mas muito gostosa, saboreada com arroz e banana.

O barreado é prato do litoral paranaense, especialmente Morretes e Antonina.

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Há muitos anos, em Antonina, passei por uma lanchonete e ela tinha na porta uma placa com as ofertas da casa: x-burguer (o cheese, queijo em inglês, virou x aqui), x-salada e... x-barreado! Nem as comidas mais originais escapam de uma geração que tem como modelo os Estados Unidos.

Já existe coxinha de feijoada, e fiquei pensando que algum dia teremos o x-feijoada, x-canjiquinha... Talvez com molho de tacacá, né?

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir