Ministério da Saúde admitiu falta ou baixo estoque para quase 90 substâncias
Desde o último mês de março, quando estados e municípios fizeram o primeiro alerta sobre problemas no abastecimento de remédios no Brasil, pouco foi feito e a situação piorou.
Há pouco mais de dez dias, o Ministério da Saúde admitiu falta ou baixo estoque para quase 90 substâncias. Entre elas estão produtos básicos como antibióticos, antitérmicos, antialérgicos, contraste para realização de exames e até mesmo soro fisiológico.
Para o governo, a explicação do problema é externa. A guerra na Ucrânia e as interrupções da circulação de pessoas na China, por conta da pandemia da covid-19, foram as causas citadas pelo Ministério para explicar o cenário. São fatores que encarecem também a produção e impulsionam a falta de matéria prima, segundo a pasta.
Mas o Brasil chegou despreparado à crise. Historicamente, a indústria farmacêutica nacional não tem incentivos suficientes para garantir parte mais expressiva do abastecimento interno. O que já era um problema se intensificou nos últimos anos com o desmonte de diversas políticas sociais, que também atinge a saúde.
“Em 2007 foi publicada uma portaria regulando financiamento e transferências dos recursos federais. Na ocasião, tínhamos seis blocos de financiamento, voltados para atenção básica, para alta e média complexidade, vigilância em saúde, assistência farmacêutica, gestão do SUS e um bloco de investimentos na rede de serviços de saúde. Ocorre que, no ano de 2017, foi publicada outra portaria que reduziu esses seis blocos em dois, um de custeio e outro chamado investimentos, que fragmenta e desfigura o sistema ao flexibilizar todo o uso das verbas da saúde”, explica Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (CICTAF) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Melecchi afirma que a mudança comprometeu, inclusive, a manutenção e ampliação dos serviços de atenção básica e vigilância em saúde, duas políticas que, assim como a assistência farmacêutica, são estratégicas para atendimento da população.
As consequências da falta de medicamentos no Brasil atingem todo o sistema. Faltam remédios na rede pública, nas unidades privadas, nos postos e nas farmácias. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a escassez atingiu 80% das cidades brasileiras entre maio e junho.
Na ocasião, quase metade das prefeituras consultadas afirmou que a escassez já durava mais de um mês. Para mais de 65% faltava o básico, como o antibiótico amoxicilina e o composto analgésico, anti-inflamatório e antitérmico dipirona.
“Os impactos na área hospitalar e para os pacientes têm sido grandes. O que exige, de fato, que os hospitais tenham que fazer uma reorganização dos seus serviços e procedimentos diante da ausência de abastecimento”, alerta Débora Melecchi.
Ela pontua que o país precisa retomar incentivos ao Complexo Industrial-Econômico da Saúde (Ceis), “desabastecimento de medicamentos não é uma pauta atual, é uma pauta de algum tempo que está sempre sendo debatida no âmbito do controle social do SUS. Ocorre que, neste momento, estamos passando pelo que tenho chamado de caos. Temos tido ao longo dos últimos seis anos, o desmonte de uma série das políticas da ciência, da tecnologia e da própria assistência farmacêutica.”
Uma das soluções apresentadas pelo governo foi a suspensão do limite máximo de preços que podem ser cobrados pelos remédios. A medida é uma resposta aos custos de produção elevados, mas a alta nas possibilidades de lucro da indústria também representa remédios mais caros para consumidores e consumidoras.
Débora Melecchi ressalta que a agenda regulatória precisa ir além do debate sobre a precificação dos produtos e buscar mais equilíbrio nos valores e nas práticas de mercado, com atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesse sentido. A solução do caos, segundo a especialista, passa por ações estruturais e não está contemplada somente em determinações pontuais.
“O Ministério da Saúde tinha extinguido o departamento do Complexo Industrial-Econômico da Saúde e agora, nas últimas duas semanas, o reativou. Mas, o Brasil tem uma expertise vitoriosa, desde 2003 e 2004, quando tivemos a criação da Secretaria da Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos, com a criação do Departamento de Assistência Farmacêutica, a própria edição das políticas da assistência farmacêutica e medicamentos e também a segunda edição da Política de Ciência e Tecnologia. Buscando atender as necessidades das pessoas, mas também a autossuficiência do Brasil, a soberania nacional, que nós é tão importante”, conclui.
Edição: Rodrigo Durão Coelho