O número de crianças e adolescentes que estão vivendo nas ruas da capital paulista mais do que dobrou em 15 anos. De acordo com Censo de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, realizado pela prefeitura de São Paulo em maio, o total de 1.842 pessoas de zero a 17 anos, registrado no censo anterior, de 2007, saltou para 3.759 meninos e meninas vivendo debaixo de viadutos, marquises e sobre as calçadas da cidade mais rica do país.
A pesquisa considera o conceito do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) para crianças e adolescentes em situação de rua. Nesse caso, menores de 18 anos com direitos violados que utilizam logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia ou sobrevivência, de forma permanente ou intermitente, em situação de vulnerabilidade ou risco pessoal e social.
Os dados levantados mostram ainda que a maior parte desse grupo, 73,1% do total, ou 2.749 crianças e adolescentes, utiliza as ruas como forma de sobrevivência, pedindo esmolas, ainda que por um breve período do dia. Segundo o censo, 16,2% – 609 – estão nos Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (Saica) e em Centros de Acolhida Especial para Famílias. Mas 10,7% – 401 – pernoitam nas ruas.
Infância abandonada
Apesar de expressiva, a quantidade de crianças e adolescentes vivendo nas ruas da capital paulista pode ser ainda maior, na avaliação do advogado Ariel de Castro Alves, membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual. De acordo com o especialista, essa “tragédia social”, em suas palavras, é também um retrato de outras grandes cidades diante do aumento da fome e do desmonte de políticas públicas.
No último censo nacional sobre essa população, em 2011, pelo menos 24 mil crianças e adolescentes estavam em situação de rua pelo Brasil. O dado nunca mais foi atualizado, desde então. Mas a tendência é que ele tenha triplicado, segundo Ariel. “De fato o número pode ser maior”, adverte. “Porque muitas dessas crianças e adolescentes quando chegam pessoas do poder público, mesmo fazendo pesquisa, elas acabam não se apresentando e se identificando, entrando nos chamados mocós, se escondem. E existe também uma mobilidade muito grande delas, o que dificulta a contagem para termos a realidade de fato”.
“Então o número pode ser ainda maior, apesar de já ser um número expressivo e inaceitável. (…) E claro, o aumento da fome, hoje 18 milhões de crianças e adolescentes passam fome no Brasil, mais de 100 milhões estão em insegurança alimentar, e todo o descaso dos governos com a área social, tanto no âmbito da prefeitura de São Paulo, quanto do Estado e do governo federal, os cortes de recursos públicos nessas áreas, tudo agravou a situação. (…) Mas uma sociedade minimamente civilizada não pode continuar convivendo com essa enorme quantidade de crianças e adolescentes abandonados”, contesta o advogado.
Perfil das crianças e adolescentes
O censo mostra ainda que a faixa de 12 a 17 anos é a que concentra o maior número, com 1.585 jovens, ou 42% nas ruas de São Paulo. Ela é seguida pelas crianças com até 6 anos, 1.151 – 30,6% – que passam a primeira infância sem um teto. Outras 1.010 – 27,1% – têm de 7 a 11 anos. Seis delas – 0,2% – não quiseram informar a idade. Ainda segundo o levantamento, a maioria dessas crianças e adolescentes são negras: 43%, ou 1.615 se autodeclararam de cor parda. E 28.,6%, um total de 1.074, de cor preta. E 21,6% se declararam brancas (811).
Outras 34 se declararam indígenas, 0,9%; 20 amarelas (0,5%), e uma, morena. Ao todo, 166 não souberam ou não quiseram declarar. A maioria delas também são sexo masculino, 2.227, ou 59,2%. E 1.453 do sexo feminino, 38,7% do total. Outras 79 crianças e adolescentes, 2,1%, não souberam ou não quiseram informar.
A pesquisa também indica que um número maior de crianças e adolescentes em situação de rua se concentra na região central, entre a República (309), Sé (202) e Santa Cecília (196). Mas o estudo também confirmou um aumento dessa população na periferia da cidade, principalmente na zona leste. No distrito de Cidade Líder, o número de crianças e adolescentes em situação de rua passou de 6 para 39. Em São Mateus foi de 3 para 34, nos últimos 15 anos. E no Aricanduva passou de 1 para 11. Além disso, em outros 28 distritos, não apontados em 2007, também havia crianças e adolescentes em situação de rua.