Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) reclama publicamente do preço dos combustíveis e dos lucros da Petrobras, seu governo abre espaço para que acionistas privados da estatal --os maiores interessados na alta da gasolina e nos ganhos que isso lhes traz-- passem a “supervisionar” o valor dos derivados vendidos pela petroleira.
Uma diretriz prevendo essa supervisão foi aprovada nesta quarta-feira (27) pelo Conselho de Administração da Petrobras, o qual é composto majoritariamente por membros indicados pelo próprio governo. Completam o conselho representantes de acionistas.
É esse conselho quem fará a monitoramento da implementação da política de preços da Petrobras. Também atuará nesta função o Conselho Fiscal da Petrobras. Esse órgão também tem membros indicados por acionistas.
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Até a divulgação dessa diretriz, os preços praticados pela Petrobras eram definidos pela diretoria da empresa. Todos os diretores da Petrobras são escolhidos pelo governo, incluindo o presidente da companhia.
Em tese, portanto, somente ficava entre os indicados pelo governo a decisão final sobre os reajustes dos combustíveis, desde que considerada a política de preços vigente na Petrobras.
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A atual política equipara preços dos combustíveis produzidos e vendidos pela estatal a distribuidores no Brasil aos preços que importadores de combustíveis praticam no país. Na prática, ela atrela o preço da gasolina e diesel ao dólar e ao barril do petróleo, e é apontada por especialistas como a grande responsável pela alta recente dos combustíveis no Brasil.
Essa política foi mantida após reunião do Conselho de Administração desta quarta-feira. O que mudou é que os membros do conselho vão acompanhar sua implementação. Como há acionistas no órgão, eles terão voz nessa discussão –não tinham até aqui.
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“Os acionistas minoritários estão marcando posição. Avisando que não vão aceitar mudança na política de preços da Petrobras e no pagamento de seus dividendos”, resumiu o economista Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Os minoritários estão querendo blindar a política de preços da Petrobras até contra um eventual governo Lula”, complementou Henrique Jager, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Também nesta quarta, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou em entrevista ao UOL que fará mudanças na Petrobras caso seja eleito presidente da República.
Acionistas poderosos
Durante o governo Bolsonaro, aliás, os acionistas têm ganhado cada vez mais poder sobre a Petrobras. Esse ganho fica evidente na atual composição do Conselho de Administração da estatal, órgão máximo da gestão da empresa, que tem 11 membros.
Quando Bolsonaro assumiu o governo, em janeiro de 2019, o governo, acionista controlador da Petrobras, tinha oito indicados no conselho. Outras duas cadeiras eram reservadas a investidores privados e uma, a um indicado por funcionários da Petrobras.
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Em abril de 2021, houve uma assembleia de acionistas para eleição de novos conselheiros da Petrobras. Investidores privados se mobilizaram e conseguiram aumentar sua participação no órgão. Tomaram um assento do governo e ficaram com três representantes.
Em abril deste ano, houve mais uma eleição. Novamente, investidores atuaram de forma coordenada e conseguiram para eles mais um assento que era do governo. Restam agora no conselho seis indicados pela União.
Lucro e dividendos
Com mais representantes e força no conselho, investidores têm pressionado a Petrobras a obter lucros cada vez maiores para que, consequentemente, eles possam receber dividendos cada vez maiores.
No ano passado, a Petrobras registrou o maior lucro de sua história: R$ 106 bilhões. No mesmo ano, a empresa distribuiu R$ 72 bilhões a acionistas, incluindo o governo, de acordo com dados divulgados pelo Banco Inter e publicados pela CNN Brasil.
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A distribuição de lucros de 2021 é quase cinco vezes maior que a de 2009: R$ 15 bilhões. Este valor era o maior da história até então.
Em 2022, tanto o lucro da Petrobras quanto o pagamento de dividendos devem crescer. Segundo o Banco Inter, até agora, a estatal já pagou R$ 86 bilhões neste ano –ou seja, mais do que em todo ano passado. Estimativas do Ineep indicam ainda que, só no primeiro semestre de 2022, a Petrobras lucrou valor semelhante ao recorde histórico acumulado em 2021.
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Edição: Rodrigo Durão Coelho