O Mumunha costumava se apresentar como o que hoje chamam de “pessoa de bem”
Eu gosto de lembrar de gente boa, de amigos, mas de vez em quando me lembro também de umas figurinhas de quem quero distância.
Hoje eu me lembrei de um cara assim, o Mumunha, que foi meu colega de trabalho. Mau-caráter total.
Quando alguém ia se casar, por exemplo, ele fazia uma lista pegando dinheiro com amigos, para o noivo gastar da lua-de-mel. Aí, pegava todo o dinheiro e dava um cheque pro o noivo. Só que o cheque sempre era sem fundos. Embolsava a grana toda!
Como sou formado em Geografia, ele me contou que tinha trabalhado no Instituto Geográfico e Geológico, o IGG, onde eu tinha feito estágio.
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Uma dia, precisava comprar uns mapas e fui ao IGG. Aproveitei para visitar o pessoal com quem tinha trabalhado e contei que conheci um cara que tinha trabalhado lá. Perguntaram quem era, contei, e fez-se um silêncio danado, ficou todo mundo me olhando esquisito.
Um dos colegas me chamou pra tomar café e me disse: “Não fale esse nome aqui, que pega mal”. E me contou um monte de golpes que o Mumunha tinha dado lá.
Conto só um aqui: um dos colegas do Mumunha, um dia chegou abatido no trabalho, com a notícia de que a mulher dele estava com câncer. Naquele tempo, sem plano de saúde e com hospitais públicos meio precários, o tratamento custava caro.
No dia seguinte ele chegou anunciando que queria vender uma Enciclopédia Barsa, uma coleção de uns vinte volumes, que ele tinha comprado e foi entregue naquele dia mesmo. Tinha custado, em dinheiro de hoje, uns R$ 2 mil reais. Vendia pela metade do preço, porque precisava de dinheiro.
O Mumunha se opôs: “Não faz isso... Se a gente fizer uma rifa de cem números, a 50 cada número, você consegue 5 mil”.
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Mas o cara tinha vergonha de sair vendendo rifa. Isso é que o Mumunha queria: “Deixa que eu vendo. Traga a Enciclopédia aqui pra mostrar que é novinha, deixa comigo que eu resolvo”. Fez a rifa e saiu vendendo pra todo mundo, e todos compraram, em solidariedade ao colega.
Bom... O cara que ganhou a rifa não recebeu a enciclopédia. E o que era dono dela e estava com a mulher doente, não viu a cor da grana. O Mumunha ficou com a enciclopédia e embolsou o dinheiro.
Ah... o Mumunha costumava se apresentar como o que hoje chamam de “pessoa de bem”. E era mesmo, se o conceito de “pessoa de bem” for o que os bolsonaristas se proclamam.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir