Data histórica

Argentina homenageia legado de Eva Perón em aniversário de 70 anos de sua morte

Eva foi símbolo da luta contra as desigualdades e da incorporação das mulheres na política institucional argentina

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |
Eva Perón e Juan Domingo Perón inauguraram o movimento político mais significativo da Argentina ao promover direitos aos mais vulneráveis. - Arquivo

A única maneira de ser um governo do povo é estar próximo dele” – Eva Perón

 

Eva Perón é um símbolo dos direitos dos vulneráveis na política argentina. Foi parte central do peronismo, movimento político mais importante da história do país, e o mais expressivo até hoje e, neste 26 de julho se completam 70 anos de sua morte. Com apenas 33 anos de vida, deixou um grande legado de luta contra as injustiças sociais.

“Defensora dos vulneráveis” e “chefa espiritual na nação” eram títulos atribuídos a Eva. Ela exerceu uma grande influência como primeira dama, esposa do general e então presidente argentino Juan Domingo Perón, ao impulsionar a participação política das mulheres e o direito de voto feminino. Sofrendo com um câncer de útero, Evita, como é conhecida, votou pela primeira vez em 1951, internada em um hospital em Avellaneda, Buenos Aires, já com a saúde debilitada pela doença.

“Eva foi uma mulher de ação, de transformação constante, e que inspira a transformação do presente”, afirma a historiadora Romina Martínez, integrante da comissão diretiva do Instituto Nacional de Pesquisas Históricas Eva Perón. Destaca a participação de Eva no primeiro (1946-1952) e início do segundo (1952-1955) mandato de Perón, realizando uma ampla ajuda social que transcendeu fronteiras nacionais.

“Ela foi responsável por uma ajuda social muito ampla, que além de impulsionar políticas públicas para idosos, crianças e mulheres na Argentina, dedicou-se a levar ajuda social ao exterior através da Fundação Eva Perón. Em vida, foi condecorada por 17 países”, destaca. “Sem dúvida, é uma das líderes políticas mais transcendentais da Argentina e do mundo. Não era comum que uma mulher, e jovem, fosse liderança política nas décadas de 40 e 50.”

Desde a militância até a chegada de Perón na presidência, Eva articulava o espaço das mulheres na política. Como primeira dama, impulsionou o direito ao voto feminino, conquistado em 1947, e criou o Partido Peronista Feminino em 1949 para abordar as pautas e os direitos das mulheres na sociedade argentina.


Eva Perón vota pela primeira e última vez, em 1951, internada em um hospital em Avellaneda. / Arquivo

Sua partida comoveu toda a sociedade, tanto os seguidores do peronismo como os inimigos: seu corpo foi roubado e ficou desaparecido durante 16 anos. O sequestro do cadáver, comandado pelo governo do golpe de Estado na Argentina de 1955, que derrocou o presidente Perón, seguia uma aspiração de apagar o peronismo, em um extremo de ódio que toca a admiração.

 

As lutas de Evita seguem atuais

“Existem muitos legados de Evita”, pontua Victoria Freire, socióloga e feminista, integrante da peronista Frente Pátria Grande. “No contexto atual, é fundamental recuperar sua luta contra a oligarquia para defender os interesses e direitos das maiorias sociais”, destaca.

A Argentina atravessa uma grave crise econômica, que grupos de poder econômico têm aprofundado com a especulação da moeda. O aumento do dólar encarece o custo de vida da população e afeta, principalmente, os mais pobres. A crise tem gerado tensões entre os diferentes espaços dentro da coalizão peronista sobre as possíveis medidas por parte do Estado para frear o aumento dos preços.

Nesse sentido, Freire remete a um fragmento da biografia de Evita, “A razão da minha vida”, de 1948, como um objetivo dos feminismos no país. “Ela dizia que as mulheres e as nações tinham que ser independentes economicamente, senão nenhum direito estaria garantido”, afirma.

Nessa mesma publicação, Eva Perón destaca como a injustiça social sempre foi vista por ela, desde pequena, como algo não natural e ilógico. “Lembro muito bem os dias muito tristes que vivi quando soube que existiam pobres e ricos no mundo; e o estranho é que não doesse tanto a existência dos pobres quanto saber que, ao mesmo tempo, havia ricos”, relatava Evita em “A razão da minha vida”.

Freire resgata outro importante papel de Eva Perón para os feminismos e as lutas contra as desigualdades atuais: a defesa de um salário para as donas de casa, que gastam grande parte de suas vidas com trabalhos domésticos não remunerados. “É interessante destacar isso porque ainda hoje a agenda econômica e as desigualdades de gênero são parte das tarefas pendentes”, afirma. “Os valores pelos quais Eva lutava continuam sendo imprescindíveis.”

Como movimento político que pôs em perspectiva as necessidades da população mais excluída, o peronismo teve Eva como figura essencial e ainda hoje é referência. “O peronismo não é o mesmo sem a figura de Eva, que trouxe um lado revolucionário e popular para o movimento, inclusive feminista”, observa Victoria Tesoriero, da Subsecretaria de Assuntos Políticos e integrante do movimento político peronista La Campora.

“A história política da Argentina produziu dois grandes quadros: Evita e Cristina. Na minha opinião, as maiores figuras políticas de nossa história”, pontua. “No caso da Argentina, as mulheres no poder mostram que elas são muito mais radicais, audaciosas e revolucionárias Inclusive feministas. O legado de Eva vive em nossa memória e seu exemplo deve ser recuperado, especialmente em tempos difíceis como estes, onde o caminho deve sem dúvida ser o de redobrar nossos esforços e imaginação, para recuperar a audácia e a coragem de enfrentar os setores mais concentrados de nosso país em favor de mudanças estruturais em benefício daqueles que menos têm.”

Homenagens e memória de Eva Perón a 70 anos de sua morte

Para a data, o Ministério da Cultura promoveu uma série de atividades através do Museu Evita e o Centro Cultural Kirchner (CCK).

O Museu Evita, bastante buscado pelo público brasileiro na cidade de Buenos Aires, fará o lançamento mundial do material restaurado La luna de miel de Ines, uma peça publicitária inédita de 1938 que foi a estreia de Eva Perón como atriz. “Será a joia do dia”, destaca Romina Martínez, responsável pela comunicação do museu. “Para nós é um prazer exibi-lo, era um material considerado perdido. Foi a primeira vez que Eva foi protagonista nas telas, muito jovem, com apenas 19 anos”, conta.

Além disso, o CCK fará uma homenagem a Eva Perón às 19h, com a presença da ministra de Mulheres, Gêneros e Diversidades, Elizabeth Gómez Alcorta. Intitulado “Evita imortal”, o concerto contará com música e textos que consagrados em sua memória e legado. Também será inaugurada uma exposição fotográfica no mesmo espaço.

Nas ruas, organizações políticas e sindicais convocam a uma marcha às 17h30 em homenagem a Eva Perón e em protesto contra a classe empresarial no contexto da crise econômica. Será uma “marcha de tochas”, contra os especuladores e grupos econômicos formadores de preços, convocada pela Frente Sindical.

Entre os integrantes da Frente, estão duas importantes figuras do movimento sindical argentino: Pablo Moyano, do sindicato dos caminhoneiros e cotitular da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e Mario Manrique, do Sindicato de Mecânicos e Afins do Transporte Automotor (SMATA).

Por outro lado, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), próxima ao presidente Alberto Fernández, levará cerca de 5 mil militantes ao Salão Felipe Vallese, no histórico edifício da CGT, no bairro de San Telmo.

Edição: Rodrigo Durão Coelho