Antes mesmo do anúncio oficial da descontinuação de 12 dos 26 Programas de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e da demissão em massa de professores, confirmado nesta sexta-feira (22) pela Instituição, estudantes e docentes já manifestavam indignação pelas redes sociais. A Universidade, de caráter comunitário e mantida pela congregação dos jesuítas, é uma das principais instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul e tem programas de mestrado e doutorado reconhecidos no país e no exterior.
Diversos Programas de Pós Graduação (PPGs) e grupos de pesquisa, bem como entidades de fora da universidade, emitiram notas lamentando a decisão. Também há manifestações de repúdio de diversos setores da sociedade, entre eles políticos que destacam o momento de sucateamento da educação no Brasil. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unisinos convocou uma manifestação contra o fim da pós-graduação para a próxima terça-feira (26), às 16h, na entrada B do campus São Leopoldo.
Segundo informa a Unisinos, serão desativados os PPGs de Arquitetura, Biologia, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Comunicação, Economia, Enfermagem, Engenharia Mecânica, Geologia, História, Linguística aplicada e Psicologia. Em nota oficial, que pode ser lida na íntegra no final desta matéria, a Universidade afirma que o processo será progressivo, garantindo aos alunos matriculados a conclusão de sua formação.
A Instituição diz que a decisão se dá para “promover o equilíbrio financeiro da Universidade e sua preparação para crescer de forma sustentável nos próximos anos”. Argumenta que o contexto do ensino superior mudou nos últimos anos, com “significativa redução do número de matrículas, resultado da crise econômica do país, da redução expressiva de financiamento público para o ensino superior e da pandemia”.
Número de demitidos representa quase 5% do corpo docente
O diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), Marcos Fuhr, diz que a entidade já tinha o indicativo que mudanças ocorreriam na Unisinos com demissões. “O que nos impactou a partir de ontem são as informações sobre o número de professores desligados, nós temos notícias de que serão em torno de 40 desligados, e a descontinuidade, o encerramento progressivo de oito PPGs”, disse, trazendo um número inferior por ter conversado com a redação do Brasil de Fato RS antes do comunicado oficial da Unisinos.
“O sindicato está buscando ainda, junto à Reitoria da instituição, informações mais claras, mais objetivas, mas a priori nosso posicionamento é de uma forte contrariedade com esta forma tão radical e tão contundente com que as coisas estão sendo feitas”, afirma. Ele lembra que o número de demitidos representa quase 5% do corpo docente da Unisinos e que a universidade tem longa trajetória com PPGs reconhecidos no país e no exterior.
Para o dirigente sindical, o fato “é resultado direto do desmonte que está se operando no país na área da educação, da ciência e tecnologia”. Ele conta que o sindicato sabe, através de referências frequentes dos gestores das universidades, sobre a condição geralmente deficitária dos PPGs. “Quando as universidades tinham expressivo número de alunos de graduação, essa capacidade de bancar os cursos de PPG era possível, na medida que o número de alunos de graduação vêm despencando semestre após semestre, a capacidade de manter essas ofertas deficitárias também se inviabiliza”, analisa.
Programas são considerados de excelência no país
Professor do PPG de Comunicação há 23 anos, Alberto Efendy Maldonado afirma que a decisão da Unisinos é muito triste, que todos estão de luto. Recorda que o PPG de Comunicação é um dos poucos considerados de excelência no país e que seu encerramento será um grande prejuízo para “uma ciência comprometida com a sociedade, humanista, solidária e crítica”.
“Nós temos reconhecimento internacional, parcerias na América Latina, Norte América e Europa, temos altíssima convocação de candidatos, candidatas estudantes que participam do nosso mestrado e doutorado, estudantes da graduação na iniciação científica. É um PPG que tem sido premiado constantemente, recentemente tive a satisfação de receber o prêmio da Intercom de Maturidade Acadêmica, temos prêmios das melhores teses do Brasil, prêmios da Compós, prêmios internacionais”, afirma.
Aos estudantes, deixa o recado que o corpo docente afetado pela decisão vai trabalhar até o último dia para que todas e todos se formem.
Doutoranda do PPG de Biologia, Júlia Finger conta que recebeu o comunicado da coordenação do PPG, “uma mensagem com muito pesar porque a gente sabe que essa decisão não foi dos coordenadores”. Ela integra a pesquisa que a Unisinos realiza há 40 anos na Antártica e tem reconhecimento internacional.
“Minha carreira toda tem sido voltada para a ciência na Antártica, a Unisinos é pioneira no Brasil neste estudo, foi uma das primeiras universidades a fazer ciência lá, e essa história termina assim”, lamenta, recordando que o PPG da Geologia também integra essa pesquisa.
A pesquisadora destaca as perdas que a descontinuação dos programas vai trazer à sociedade. “O PPG da Biologia desenvolvia diversas pesquisas, por exemplo, para remediar problemas do Rio dos Sinos, aqui de São Leopoldo, contribuía para se tornar a região mais sustentável, tem pesquisas também de conservação de mamíferos e aves do Rio Grande do Sul, sobre áreas úmidas do nosso estado, entre outras.”
Para ela, a atitude reflete o atual desmonte da educação no país. “Só a propaganda anticiência que esse governo faz influencia negativamente na universidade, porque algumas pessoas que queiram fazer pós-graduação começam a desvalorizar essa linha de trabalho, essa busca de conhecimento fica desvalorizada”, afirma.
"A gente precisa mostrar nossa indignação"
Júlia disse que estará no ato convocado pelo DCE. “A gente precisa mostrar nossa indignação, que não concorda com essa atitude. Alguns PPGs vão, inclusive, cobrar da universidade números para provar que os programas estão em débito, eles querem saber as informações, que é uma questão que foi um pouco criticada também, que faltou transparência sobre essa ação.”
Coordenadora-geral do DCE Unisinos, a estudante de psicologia Rosana Carpena também afirma que todos foram pegos de surpresa. Ela reforça o convite para a manifestação na próxima terça-feira e diz que os estudantes estão na luta pela volta imediata e reavaliação imediata dos PPGs, bem como readmissão dos professores demitidos. O DCE também lançou um abaixo-assinado.
“O que a Unisinos está fazendo só corrobora com a situação de desmonte da educação, da ciência e da pesquisa. A universidade não pode ser mais uma a tratar a pesquisa dessa forma, então o DCE se solidariza e está na luta para que os PPGs fiquem”, finaliza Rosana.
Abaixo a nota completa da Universidade
O contexto do ensino superior brasileiro mudou radicalmente ao longo dos últimos anos. Houve significativa redução do número de matrículas, resultado da crise econômica do país, da redução expressiva de financiamento público para o ensino superior e da pandemia. Para promover o equilíbrio financeiro da instituição e sua preparação para crescer de forma sustentável nos próximos anos, a Unisinos está adotando algumas ações que envolvem o início do processo de desativação de uma parte de seus programas de pós-graduação. Os alunos desses programas não serão prejudicados, pois lhes será garantida a continuidade do curso até que concluam sua formação. Cabe destacar que a Universidade seguirá investindo e mantendo sua reconhecida excelência em pesquisa acadêmica por meio de 14 programas de pós-graduação, produzindo conhecimento que gera impacto positivo para a sociedade.
A Unisinos mantém-se inabalável em seu propósito de oferecer educação superior de excelência. A Universidade potencializará seu portfólio de cursos e programas, em permanente conexão com as oportunidades e demandas do mercado, visando contribuir ainda mais para o desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko