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O terceiro turno já começou

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Alexandre de Moraes comandará o TSE durante as eleições e espera contar com o engajamento das instituições na defesa do processo - José Cruz/Agência Brasil
O que motiva Bolsonaro para o golpe é fugir do pior cenário: derrota, prisão e desmoralização

Olá, Bolsonaro parece ter desistido das eleições, mas não do poder. Resta saber quando, como e quem vai embarcar na sua aventura golpista.

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.Queimando os navios. Além do sentimento de vergonha alheia, há um consenso sobre a reunião com os embaixadores que une desde o centrão até o New York Times: foi o discurso de um derrotado. Obviamente, nenhum dos diplomatas ficou sensibilizado pela surrada denúncia sem provas sobre as urnas eletrônicas, o que se confirma pela nota da embaixada americana reafirmando a confiança nas eleições brasileiras. Além disso, a recente tentativa de Bolsonaro tirar uma casquinha da Guerra da Ucrânia fracassou e reforçou ainda mais seu isolamento internacional. A qualidade das reações internas também mudou e a verborragia insana do capitão foi capaz de unir TSE, oposição parlamentar, delegados e peritos da PF e servidores da ABIN em defesa do sistema eleitoral, além de constranger o Engavetador Geral da República, Augusto Aras. Tudo isso e mais o medo da punição que os aliados começaram a sentir depois da queda do presidente da Caixa, observa Luis Nassif, cria um clima inédito de debandada nas hostes bolsonaristas. A verdade é que o cercadinho do Itamaraty e a insistência de Jair em se comportar como anticandidato, rejeitando as orientações de seu comitê de campanha, são sinais de que ele já sabe que vai perder as eleições e talvez nem chegue ao segundo turno. Assim, os ataques contra as eleições e as urnas servem tanto para adiantar a justificativa para a derrota, quanto para acirrar a instabilidade política, criando um clima propício ao golpe. Em quaisquer dos cenários, o caos, desde que com adesão, favorece Bolsonaro. Na melhor das hipóteses, ele impediria as eleições e permaneceria no poder. Num cenário razoável, negociaria uma saída confortável para a própria família, garantindo ainda um lugar de liderança no espectro na direita para incomodar nos próximos anos, como Donald Trump fez nos Estados Unidos. Ou seja, o que motiva Bolsonaro para o golpe é fugir do pior cenário possível: derrota, prisão e desmoralização.

.Vai perder, vai ganhar... Além de manter suas bases iludidas e mobilizadas, o discurso de fraude também serve para provocar o STF e TSE e forçar o Judiciário a entrar no jogo. A narrativa bolsonarista é de que os próprios tribunais irão fraudar as eleições para garantir a vitória de Lula. Neste universo, qualquer decisão judicial contra fake news já se torna prova da vitimização. Mas ainda é pouco. Não faltaram ilegalidades no discurso aos embaixadores. O capitão cometeu crimes de responsabilidade, de improbidade, contra o Estado de Direito e contra a lei eleitoral. Ele ainda elevou o tom e atacou nominalmente três ministros do STF. O que explicaria a produção de tantas provas contra si mesmo? Há uma hipótese interessante: Bolsonaro estaria fustigando o Judiciário para provocar uma cassação da sua candidatura e iniciar antes das eleições o tumulto. Enquanto isso, o TSE prevê que os ataques devem se concentrar no dia da eleição ou na diplomação do vencedor em dezembro. A resistência do Judiciário será comandada, como se sabe, por Alexandre de Moraes. Por um lado, o ministro espera contar com o engajamento das instituições, incluindo Arthur Lira e Augusto Aras, além de sinalizar um cessar-fogo para os militares. Por outro, a ideia é responder imediatamente na campanha a qualquer fake news ou irregularidades. Já a consultoria de investimentos internacionais Eurasia prevê que os conflitos podem ocorrer entre o primeiro e o segundo turno. Para a consultoria, os militares não teriam força institucional para endossar o golpe e o maior perigo seria um motim de policiais militares e uma possível greve de caminhoneiros.

.Canoa furada. A nova rodada da pesquisa PoderData talvez explique porque Bolsonaro aumentou o tom dos ataques. A pouco mais de dois meses das eleições, os problemas persistem. Embora a reprovação ao governo tenha recuado desde o início do ano, ela ainda é alta, chegando a cerca de 55% da população. Às vésperas do lançamento oficial de sua candidatura, marcada para domingo (24), Bolsonaro tem muitas pedras no caminho. Precisaria reverter a rejeição do público feminino, missão para a qual estão escaladas as ministras Tereza Cristina, Damares Alves e Flávia Arruda, além da primeira dama Michelle. Soma-se a isso o surpreendente aumento da reprovação do governo entre os evangélicos, isso apesar da intensa agenda de Bolsonaro neste segmento no mês de julho, marcando presença em Marchas para Jesus país afora e encontros com pastores. Além disso, a tentativa de comprar votos no atacado com a ajuda do Congresso, através da PEC eleitoral, não teve o efeito esperado. Isto é o que indicam os dados sobre a aprovação do governo entre os beneficiados pelo Auxílio Brasil, que não diferem muito do resto da população. O problema é que, se o aumento do Auxílio Brasil seguir o padrão do Auxílio Emergencial implementado durante a pandemia, antes de quatro meses o aumento do benefício não se reverteria em apoio político. Por fim, os sucessivos anúncios de isenção de impostos, outra estratégia de marketing do governo, também vão caindo por terra. Afinal, essas medidas só são possíveis porque a carga tributária nunca foi tão alta, além de ser cada vez mais regressiva. Agora, aqueles que já recebem pouco veem sua renda ser comida não só pela inflação mas também pela boca do leão, devido à defasagem recorde das faixas do Imposto de Renda. Ou seja, sem tempo, capacidade ou disposição para tapar tantos buracos, o capitão prefere afundar levando o país inteiro junto com ele.

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.Os planos e o bilionário por trás da Cambridge Analytica. No Outras Palavras, um perfil do bilionário Robert Mercer, financiador de organizações e campanhas da extrema-direita em todo o mundo.

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O Boletim Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nicolau Soares