O grande receio é que as rádios passem a ter que pagar para transmitir qualquer jogo de futebol
*Luiz Ferreira
Gal Costa já mandou o recado na música “Divino Maravilhoso”, gravada em 1969: “É preciso estar atento e forte”. Vira e mexe aparece algum “jênio” (com J mesmo) com alguma ideia mirabolante lá pelos lados do Congresso Nacional. A regra, como a gente sabe muito bem, é tentar acabar com tudo que faz bem ao povo e vender isso com se fosse algo “divino e maravilhoso”.
No início do mês de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei que estabelece a nova Lei Geral do Esporte (PL 1.153/2019). O texto traz uma série de mudanças profundas no desporto brasileiro, como a unificação da legislação esportiva num único documento, o direito de imagem pago aos atletas e o compromisso com a defesa dos Direitos Humanos. Só que esse mesmo projeto de lei (caso seja aprovado) pode fazer com as emissoras de rádio espalhadas por todo o país sejam obrigadas a pagar para transmitir as partidas de futebol.
Tudo por conta do artigo número 159. Ele diz o seguinte: “A difusão de imagens e/ou sons captadas em eventos esportivos é passível de exploração comercial”. A inclusão do termo “e/ou sons” na redação da lei é que vem causando grande preocupação no meio radiofônico. Isso porque ele abre um precedente perigoso e permite que as transmissões passem a ser cobradas e exploradas pelos clubes envolvidos nas partidas.
Não estamos falando dos eventos promovidos pela FIFA (Copa do Mundo e Mundial de Clubes), Conmebol (Copa América) e COI (Jogos Olímpicos e Paralímpicos). O grande receio é que as rádios (todas elas, do Oiapoque ao Chuí) passem a ter que pagar para transmitir todo e qualquer jogo de futebol, seja ele de Libertadores, de Brasileirão ou até mesmo um campeonato estadual.
Não é preciso pensar muito para concluir que essa “nova” Lei Geral do Esporte decreta a morte do rádio esportivo.
Além disso, ele também não faz o menor sentido do ponto de vista financeiro, visto que milhares de torcedores espalhados pelo Brasil vão deixar de acompanhar seu time do coração pelo simples fato da imensa maioria das nossas emissoras não ter condição de arcar com mais essas despesas. Fazer rádio esportivo no tempo da internet e das redes sociais é um ato de desprendimento completo por conta das inúmeras dificuldades que todos enfrentam. Se já será complicado para os clubes que estão nas primeiras divisões do futebol brasileiro, imaginem o que vai ser do torcedor que precisa acompanhar seu time numa Série D ou que só tem o estadual para disputar.
Há quem diga que os clubes precisam do dinheiro e que muitos estão completamente paralisados por dívidas impagáveis. E o que o rádio esportivo tem a ver com isso?
A grande verdade é que nossos dirigentes (auxiliados pela famigerada “bancada da bola”) estão tentando empurrar algo que é da responsabilidade deles para o colo de quem não tem culpa nenhuma no cartório. Eu já disse isso antes e vou repetir: essa gente não liga pra torcedor, atleta ou funcionário de clube; só querem encher os bolsos de dinheiro, falar em isonomia e soltar bravatas nas redes sociais. Odeiam ser cobrados, mas chegam a babar diante da menor chance de arrancar mais dinheiro seja de onde for.
Futebol é muito mais do que acontece na telinha da TV, pessoal. Tem muito time que só sobrevive por conta da audiência que o rádio traz.
E tem muito clube grande por aí que só conquistou seus milhões de torcedores por conta do trabalho de grandes emissoras como a Nacional, a Tupi, a Globo e várias outras que cobrem o esporte há quase um século.
E pasmem: conheço muito chefe de redação esportiva que está batendo palmas para essa ideia absurda. Pessoas que deveriam ser as primeiras a pegar o telefone e ligar para os deputados que aprovaram essa excrescência, mas que acabam topando destruir o que resta do rádio esportivo por pura conveniência ou “puxa-saquismo” deste ou daquele político.
Ainda bem que essa ideia já começou a ser combatida em todo o país. A pressão pela retirada desse artigo (ou termo) da Lei Geral do Esporte já está bem forte e a tendência é que os senadores assim o façam no final do recesso parlamentar em agosto. Mas é sempre preciso “estar atento e forte” como cantou Gal Costa. Principalmente quando se sabe que tem gente que odeia ver o povo contente e faz de tudo para que ele perca as poucas coisas que ainda o divertem.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse