A dupla que dita os rumos da economia do Brasil, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro (PL), terminará o mandato sem aplicar reajustes aos servidores públicos. Um jejum que não se repetia desde 2001, quando Fernando Henrique Cardoso ainda era presidente e finalmente aumentou os rendimentos dos servidores federais após um hiato de seis anos.
A confirmação de que nem os 5% de aumento, anunciados pela equipe econômica em abril, seriam acrescidos ao funcionalismo não surpreendeu as entidades representativas, que se queixam das dificuldades nas negociações desde o início do atual governo, em 2019. Agora, elas focam em correr contra o tempo para conseguir, ainda no segundo semestre, uma fatia maior do orçamento em 2023.
Nesta terça-feira (12), o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023, com previsão modesta de reajustes. Ao salário mínimo, ficou reservada uma margem de apenas 6,7%, muito inferior à inflação de 11,89% acumulada apenas nos últimos 12 meses, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Já para o funcionalismo público federal, foram reservados R$ 11,7 bilhões para reajustar os rendimentos de todas as categorias - patamar muito inferior ao ansiado por Isac Falcão, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). "Se fizer uma proporção com a folha de pagamento da União Federal, isso dá algo em torno de 3%. São poucos meses de inflação desse governo, não é nada. Ele (Bolsonaro) já manifesta a intenção de continuar achatando as remunerações do trabalhador, não só no setor público", projeta.
Os quatro anos de governo Bolsonaro foram bastante desafiadores para os servidores, especialmente após o início da pandemia. Além de uma proposta de reforma administrativa, sob a PEC 32/2020, o funcionalismo precisou engolir o "remédio amargo" do congelamento dos salários, como definiu à época o presidente da República Jair Bolsonaro.
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Para os servidores, a Lei Complementar 173/2020, que barraria qualquer reajuste até o fim de 2021, teve o efeito de "uma granada no bolso", cujos efeitos ainda são sentidos. Afinal, no início de 2022, com o fim do impedimento legal, vários pedidos de recomposição salarial de ao menos 19,9% foram protocolados junto ao ministério da economia, mas sem efeito.
No dia 20 de junho, o ministro da economia Paulo Guedes confirmaria que nem os 5% de acréscimo anunciados em abril seriam aplicados ao funcionalismo neste ano, o que era esperado pelas entidades representativas do setor, segundo Pedro Armegol, diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
"No final, a resposta do governo foi que não havia margem nem para aumentos no auxílio-alimentação e auxílio saúde dos servidores. E claro, os recursos estão sendo enviados para essa 'PEC da Bondade', que consideramos uma PEC eleitoreira com o único objetivo de potencializar votos para a reeleição de Bolsonaro", acusa Armegol.
Promulgada pelo Congresso Nacional nesta quinta-feira (15), com direito à presença de um sorridente Bolsonaro, a PEC dos Auxílios vai destinar R$ 41 bilhões em benefícios sociais a partir de 18 de agosto. Uma manobra feita pelo Centrão, tanto na Câmara quanto no Senado, que recebeu aval da oposição, mesmo com os potenciais ganhos à campanha de reeleição do presidente.
"Há que se separar as coisas. O benefício para os cidadãos mais carentes é obrigatório numa política de Estado. O problema é a hipocrisia do discurso do teto", manifesta Fabio Faiad, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), que resgata o argumento do governo de responsabilidade com o chamado teto de gastos para adiar o reajuste ao servidor para o próximo ano.
"Na nossa opinião, se ganhar a eleição vai ter de novo o discurso de que respeitar o teto é necessário, o que certamente vai estrangular todos os benefícios para todas as categorias de todos os segmentos da sociedade", prevê o bancário.
Benefícios e regalias aos militares agravam situação
Também gera descontentamento o rendimento cada vez maior dos militares, especialmente após a reforma da previdência em 2019. Um levantamento realizado pelo economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), aponta que os membros das Forças Armadas tiveram 29,6% de ganho real nos últimos 10 anos, já descontada a inflação acumulada desde 2012.
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As regalias ficam ainda mais evidentes pelo fato de que milhares de oficiais da ativa passaram a ocupar cargos na administração federal, acumulando rendimentos superiores ao teto constitucional. Reportagens da Folha de S.Paulo revelam que militares de alto escalão foram beneficiados, como Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão (Republicanos) e o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) que, sozinho, passou a ganhar R$ 350 mil a mais por ano.
Em um cenário oposto, há categorias que enfrentam seguidos cortes e desinvestimento no serviço público, além de sofrerem com falta de profissionais, já que o governo não promove novos concursos.
Por um déficit alegado de 11 milhões de funcionários, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo, atrasou repasses da concessão de benefícios da Previdência Social, gerando filas que, em fevereiro, chegaram a 1,7 milhões de pessoas.
De acordo com Isac Falcão, a Receita Federal viu seu efetivo ser reduzido à metade nos últimos anos, o que estaria diretamente relacionado aos maus desempenhos de produtividade e da economia, de modo geral. "Com 50% do efetivo, não tem gente para fiscalizar as empresas e controlar as mercadorias que entram no Brasil. Isso atrapalha a operação das empresas brasileiras porque elas sofrem concorrência desleal de mercadorias do exterior", relata.
Novas promessas não têm a mesma força de boas lembranças
Em aceno aos servidores, Paulo Guedes prometeu negociar reposições para o ano que vem. Um movimento que seria favorecido pela redução de gastos com a pandemia, pelo aumento da produtividade e pela maior oferta de serviços digitais para a população, compensando a média de 30 mil servidores que se aposentam por ano sem serem repostos.
Porém, o discurso não convence Fabio Faiad, especialmente com relação ao coeficiente entre tecnologia e a importância física dos servidores. Em sua avaliação, a automatização e a digitalização dos processos, visando a simplificação e a segurança no fluxo de dados, fazem parte da rotina das instituições públicas federais.
"Dizer que apenas isso preencheria as vagas abertas com as aposentadorias é um erro crasso. Não adianta só informatizar, alguém tem que operar os sistemas, analisar e atender o público", argumenta Faiad.
A menos de 3 meses para as eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue liderando as pesquisas com folga. A seu favor, pesa um histórico de diálogo com o funcionalismo, característica reconhecida até mesmo por categorias historicamente menos à esquerda.
Já os candidatos da chamada terceira via, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), têm apostado no discurso de modernização das relações trabalhistas. Enquanto o pedetista propõe a inserção dos servidores públicos em uma "nova CLT", a candidata mais identificada com o liberalismo defenderá uma reforma administrativa que não afete a estabilidade dos servidores do setor público.
De qualquer maneira, os sindicatos prometem manter a combatividade mesmo em cenários mais favoráveis. Com exceção de Bolsonaro, acredita-se que todos os demais candidatos têm interesse na valorização do servidor e, por consequência, do serviço prestado para a sociedade mais necessitada.
"Para todos será apresentada a mesma pauta. Ocorre que alguns governos já estavam ali e mostraram a que vieram. Questões da nossa categoria, por exemplo, tivemos governo PSDB, PT, Bolsonaro, PMDB, e estão até hoje sem resolução. Então independente de qual governo vença, qual candidato vença, a pauta é a mesma e vamos lutar por ela", enfatiza Faiad.
Edição: Nicolau Soares