Em menos de um mês, três casos de violações a direitos das mulheres em ambientes hospitalares se tornaram símbolo de falta de segurança imposta ao público feminino nesses locais. Ser mulher no Brasil e precisar de atendimento em saúde é um risco. Relatos de especialistas ouvidas pelo Brasil de Fato confirmam a ameaça.
O país ainda precisa assumir o problema, criar mecanismos de denúncia e acolhimento, garantir a integridade das pacientes e formar profissionais que atuem com foco na ética e no combate a essas situações.
Embora em todos os casos que pautaram as notícias recentes a lei brasileira seja explícita sobre as garantias para as mulheres, a falha está na aplicação e no respeito a essas normas.
A menina que foi estuprada, engravidou aos dez anos e procurou o sistema de saúde para a interrupção legal da gestação não poderia ter tido o aborto negado. A jovem atriz que teve um bebê fruto de violência sexual, entregou a criança para adoção e teve os dados vazados, supostamente por membros da equipe médica, tem prerrogativa constitucional de privacidade. A mãe que foi sedada e estuprada por um médico logo depois do parto, em plena sala de cirurgia, tem direito pleno a integridade e segurança.
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"Está difícil para nós mulheres analisar isso" desabafa a advogada popular e feminista Daniela Félix da Rede Nacional de advogados e advogadas populares. "No hospital da mulher, uma mulher tendo um filho, sofrer um estupro. Era tão natural a invisibilidade, que esse criminoso se sentiu à vontade de violar o corpo de uma mulher, que estava sob sedação, na frente de um corpo clínico", completa ela, comentando o caso que aconteceu na segunda-feira (11), Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti (RJ), contra uma paciente que havia acabado de ser submetida a uma cesárea. O estuprador, Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, foi preso em flagrante.
A médica ginecologista, Maria das Dores Nunes, integrante da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, reafirma a percepção de que os crimes contra mulheres nos ambientes hospitalares ainda são invisíveis.
"Os serviços de saúde que atendem a mulher precisam reconhecer que existe violência, que existe abuso, que existe agressão contra as mulheres. No momento em que se reconhece, é preciso sensibilizar os profissionais. No momento em que ele reconhece e sensibiliza os profissionais, ele deve ter um espaço de escuta para quem quer denunciar. Que a mulher seja informada que ali tem um serviço que a atende se ela se sentir violada. Falta tudo isso na maioria dos estados brasileiros."
Maria das Dores Nunes também explicita a necessidade urgente de renovação dos processos de formação das pessoas que atuam na área da saúde.
"A formação profissional e a formação médica precisam mudar. Precisamos saber que a protagonista é a mulher, o que ela demanda, como ela quer a assistência ginecológica e obstétrica. Precisamos mudar esse modelo misógino e patriarcal, que menos valoriza a demanda e a queixa da mulher ou distorce o seu relato."
Garantias e direitos
Liduina Rocha, também ginecologista e integrante da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, afirma que a questão precisa ser tratada a partir do ponto de vista legal, mas também com base em parâmetros éticos.
Ela explica que os conselhos de medicina recomendam que mulheres tenham acompanhantes durante consultas, exames e procedimentos e que a lei garante a presença de uma pessoa de confiança nos partos.
Ainda de acordo com Liduina, a comunicação com as pacientes precisa ser clara. "O tempo inteiro deve ser checado se foi compreendido o que está sendo dito e se a mulher se apropriou, escolheu e permitiu o procedimento que vai ser realizado. São outras formas de garantir que se evite violência."
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A médica ressalta ainda que os espaços precisam garantir a privacidade, um direito de qualquer paciente. "Confiabilidade é um aspecto ético e jurídico. Falar de informações de uma pessoa que tem o direito do sigilo é quebra ética e jurídica. Suas informações são protegidas quando você as coloca para um profissional da saúde", destaca ela, ao mencionar o vazamento de informações da atriz que escolheu dar o bebê para adoção após ser vítima de um estupro.
Frente a casos e denúncias que se acumulam, mesmo com as garantias em lei, advogada popular Daniela Félix cobra mais atuação dos conselhos de medicina do país. Ela cita como exemplo de conduta que precisa ser revista a negativa da equipe médica para realização de aborto na menina de 11 anos. O hospital alegou que a gestação já estava muito avançada para o procedimento, mas a lei brasileira não estabelece prazo algum para a interrupção da gravidez em casos de estupro.
"Existe a necessidade de chamar e responsabilizar os conselhos federais, o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Federal de Enfermagem. Porque são os profissionais da saúde que estão impedindo e violando os direitos das mulheres. No caso da menina, é um excludente de ilicitude. Qualquer criança abaixo de 14 anos que tenha seu corpo violado, é considerado estupro. Não há o que considerar se houve ou não crime. O corpo clínico não teria porque pedir autorização judicial."
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Diante da falta de sistema de ouvidoria nos hospitais e no poder público e aos casos de desprezo aos direitos das mulheres no ambiente hospital, a principal recomendação é procurar uma unidade da delegacia da mulher em casos de violações. Contar com apoio de profissionais da área do direito pode facilitar o processo, inclusive com suporte das defensorias públicas dos estados.
Edição: Thalita Pires