Uma delegação com três integrantes da frente de políticos verdes do Parlamento Europeu, o The Greens/Aliança Livre Europeia, está no Brasil para apurar questões relacionadas a desmatamento, pulverização de agrotóxicos, direitos humanos e comércio. A "missão europeia" também visa coletar informações para embasar posicionamentos relativos ao Acordo de Associação União Europeia – Mercosul. O tratado comercial birregional foi aprovado em 2019 e está ainda em vias de ser ratificado.
O grupo, que chegou ao país nesta quinta-feira (14) e permanecerá até o próximo dia 22, é composto pelas parlamentares Anna Cavazzini, alemã e vice-presidente do grupo no parlamento europeu voltado às relações com o Brasil; Michèle Rivasi, especialista em saúde ambiental, e Claude Gruffat, ambos franceses.
Passando por São Paulo, Brasília e Pará, os eurodeputados pretendem também coletar informações sobre o impacto da pulverização de agrotóxicos que a Europa comercializa para o Brasil. O uso de muitas dessas substâncias é proibido no continente que colonizou boa parte do globo, por serem consideradas perigosas à saúde e ao meio ambiente.
Produzi-las e vendê-las para fora, no entanto, parece não ser um problema. Só em 2018, 80 mil toneladas de pesticidas com substâncias proibidas na Europa foram exportadas de lá.
Segundo o eurodeputado Claude Gruffat, as quatro maiores empresas europeias são responsáveis por 70% da produção mundial de pesticidas. São elas a Bayer-Monsanto, a Syngenta,a BASF e Finchimica S.p.A.
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Considerado um paraíso para a indústria de agroquímicos por sua regulamentação pouco rigorosa, o Brasil subiu mais degraus nessa escala sob o governo Bolsonaro. Entre 2019 e 2021, houve mais aprovação de defensivos agrícolas no país do que em 20 anos, com 1.560 novos ingredientes ativos registrados, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Destes, 44% já foram banidos nos países europeus, de acordo com o Greenpeace. Atualmente, o Brasil tem 3.669 agrotóxicos autorizados.
A comitiva europeia fez um evento sobre o tema nesta quinta-feira (14), em um hotel na região central da capital paulista. Nele, a delegação escutou a indígena Juvana Xakriabá; a dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos, Kelli Mafort; pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e jornalistas da Repórter Brasil e do De Olho nos Ruralistas.
Está ruim e pode piorar
"Os europeus transferem o risco para países como o nosso", resumiu a editora da Repórter Brasil, Mariana Della Borba, ao apresentar dados de uma reportagem que revela que 27 agrotóxicos foram encontrados na água de um a cada quatro municípios brasileiros. Destes produtos, 21 estão proibidos na Europa.
Ainda segundo apuração da Repórter Brasil com a Agência Pública, no ano de 2018 o Brasil recebeu 32 mil toneladas de paraquate, agrotóxico produzido pela Syngenta no Reino Unido e com uso proibido na Europa. Esse montante representou 40% do total de exportações europeias de agrotóxicos proibidos no continente que os fabricam.
Karen Friederich, da Abrasco, apresentou uma pesquisa científica que detectou que 67% do volume de pesticidas comercializados no Brasil são formados por substâncias consideradas cancerígenas ou desreguladoras endócrinas.
Compartilhando o resultado de pesquisas em andamento, Aline Gurgel, coordenadora do GT Agrotóxicos e Saúde da Fiocruz, afirmou que estudos estão sendo realizados nas águas de poços, nascentes, rios e açudes de cinco estados do Cerrado brasileiro.
"No Ceará, em um único ciclo de coletas, foram encontrados dez agrotóxicos. Deles, nove são proibidos na Europa", relatou. "Em Pernambuco, em região com produção de cana de açúcar, identificamos dez agrotóxicos, dos quais oito são proibidos na Europa. A gente encontrou agrotóxicos em fontes de água mineral, quer dizer, são águas utilizadas para consumo humano, poços usados para abastecer escolas rurais, poços comunitários", descreveu Gurgel.
"É importante que sejam adotadas medidas que impeçam retrocessos normativos e que ajudem a reduzir os impactos à saúde e ao ambiente no Brasil. Como sanções e restrições de ordem econômicas, considerando o nível de ameaça à vida", sugeriu Gurgel aos eurodeputados.
O cenário pode ainda se agravar com o Projeto de Lei (PL) 1.459/22 (antes PL 6.299, mas que mudou de numeração), apelidado de "PL do Veneno". Já aprovado na Câmara dos Deputados, ele está tramitando agora no Senado. O texto visa abrandar o processo de registro de agrotóxicos.
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Entre os pontos criticados por ambientalistas, o "PL do Veneno" prevê a concentração do poder regulatório no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, abrindo mão das atuais avaliações de impacto exigidas, referentes à saúde e ao meio ambiente.
Arma química biológica
"Esse cenário se dá em meio a um processo de financeirização da agricultura e da natureza, que tem resultado numa enorme pressão sobre as terras, tornando a terra não somente um artigo produtivo, mas financeiro", afirmou Kelli Mafort.
"A pulverização aérea em algumas lavouras, e o caso da cana de açúcar é bem evidente por causa da deriva, atinge comunidades, escolas", exemplificou. "Mas também tem crescido o uso de agrotóxicos como arma química biológica. Como mecanismo de despejo", alertou a dirigente do MST.
"É preciso que se entenda que os nossos corpos estão enfrentando isso dentro dos territórios", disse Juvana, do povo Xakriabá de Minas Gerais. "Temos evidências, informações. E não podemos ser falhos. Não podemos falhar com as gerações que estão vindo. Não é tarde demais", afirmou.
"Os outros países podem boicotar as commodities com veneno", propôs a indígena aos europeus que a escutavam.
Ao final do evento, o eurodeputado Claude Gruffat disse que o parlamento europeu está em processo de revisar regulamentações comerciais. "Nós, parlamentares verdes, vamos aproveitar não somente para tentar proibir novos agrotóxicos que ainda usamos na Europa. Talvez seja também a primeira ocasião para tentar proibir a exportação de agrotóxicos produzidos lá", disse Gruffat.
"Não é sério deixar essa exportação acontecer", opinou o parlamentar francês. "Se é proibido conosco, deveria ser proibido para enviar a vocês também."
Edição: Nicolau Soares