A escola é um local estratégico para a promoção de hábitos alimentares saudáveis
Bebidas açucaradas, salgadinhos, biscoitos de pacote, guloseimas. Tudo isso é muito comum estar ao alcance dos estudantes que podem pagar por algum desses itens na hora do recreio ou nos intervalos entre as aulas. Mas será que há a mesma disponibilidade de frutas e alimentos saudáveis nas escolas?
Coordenado pela professora Larissa Loures Mendes, do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Instituto Vox Populi, o projeto Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb) busca estudar os alimentos que estão sendo vendidos nas cantinas e lanchonetes das escolas privadas do país.
Uma das motivações para a pesquisa, segundo Mendes, é a importância que a alimentação escolar tem na vida dessas crianças e adolescentes que passam pelo menos um terço do dia na escola e fazem até duas refeições neste espaço, tornando um local estratégico para criação de hábitos alimentares.
“Estudar e compreender esses ambientes é fundamental para identificar os fatores que influenciam no consumo alimentar dessas crianças e adolescentes, o que tem um resultado e uma associação direta no presente e no futuro delas”, avalia.
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O estudo teve início em maio, com aplicação de um questionário para uma amostra de cerca de mil escolas. Estão sendo avaliadas a comercialização em escolas privadas do ensino fundamental e médio de grandes cidades brasileiras e estão sendo entrevistados gestores e proprietários de lanchonetes e cantinas, além do comércio ambulante de alimentos no entorno dessas escolas.
“É uma pesquisa que tem o caráter educativo e não de fiscalização, então a nossa ideia ao final da pesquisa é entregar material educativo e um plano de negócio para os proprietários e gestores que queiram aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis em seus estabelecimentos”, esclarece.
Uma em cada dez crianças brasileiras de até 5 anos está acima do peso, de acordo com os dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani-2019), encomendado pelo Ministério da Saúde. Uma das ideias do projeto é estimular o consumo de alimentos saudáveis nas escolas, pois a presença dos ultraprocessados nas cantinas e lanchonetes impacta diretamente a saúde das crianças, aumentando casos de doenças crônicas e obesidade infantil.
“Nós temos preocupação em relação a comercialização dos alimentos ultraprocessados então a nossa ideia é trabalhar na outra ponta, do Guia Alimentar para População Brasileira estimulando o aumento do consumo de alimentos in natura e minimamente processados. Consequentemente, quando se aumenta a oferta de alimentos saudáveis, se reduz a oferta dos não saudáveis”, afirma.
A coleta de informações do projeto está acontecendo em Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Essa é a primeira pesquisa com foco na comercialização em diferentes cidades. Para a pesquisadora, o bom desempenho demonstrado nos resultados iniciais das escolas de Porto Alegre, onde foram entrevistadas 57 pessoas, é resultado da regulamentação estadual que busca estimular a comercialização de alimentos saudáveis nas cantinas.
“Das cantinas avaliadas 84% ofertam algum tipo de fruta fresca e 78% algum tipo de suco de fruta natural. Contudo, 47% ainda ofertam o néctar de fruta, que é uma bebida ultraprocessada e 27% ofertam salgados assados que tem como base ultraprocessados", conta.
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Outro estudo coordenado também por Larissa apontou que adolescentes de escolas privadas consomem mais produtos ultraprocessados do que estudantes de escolas públicas. E jovens com hábitos saudáveis tendem a consumir menos bebidas açucaradas. Estudantes de escolas públicas ficam menos vulneráveis à oferta dos ultraprocessados por conta do PNAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar que tem como diretriz promover a alimentação saudável. Em algumas cidades é até proibido ter cantina em escolas públicas, como é o caso de Belo Horizonte e Porto Alegre.
A falta de regulamentação das cantinas escolares de escolas privadas favorece o consumo de produtos não-saudáveis. Segundo Mendes, foram identificados 64 dispositivos legais em estados e municípios, porém a pesquisadora considera que, além da fiscalização, é necessário um trabalho educativo com os gestores.
Em uma segunda etapa do estudo, que acontecerá ao longo de 2023 e 2024, será avaliado se a implementação dos decretos e projetos de lei nas cidades estudadas, de fato, reduziu o acesso àquele tipo de alimentação nas escolas. Os resultados da pesquisa serão analisados de forma coletiva e divulgados no mês de agosto.
Edição: Douglas Matos