Tema já conhecido no atual cenário brasileiro, a questão da violência político-eleitoral voltou à tona com fôlego no último final de semana, com a morte do guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) em Foz do Iguaçu (PR), Marcelo Aloizio de Arruda.
Assassinado pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, Arruda foi atacado na noite de sábado (9) durante a própria festa de aniversário, que tinha o PT como tema. Segundo a família da vítima, na ocasião, o atirador teria gritado uma série de palavras de ordem evocando o presidente Jair Bolsonaro (PL) e criminalizando o PT e o ex-presidente Lula, atual pré-candidato da sigla ao Palácio do Planalto.
O crime levantou um intenso debate sobre os riscos da violência política e, mais que isso, atraiu os holofotes para o presidente Jair Bolsonaro (PL), conhecido pelos ataques de ódio a adversários, especialmente a membros do PT.
Para a professora e pesquisadora Mayra Goulart, do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não é possível discutir esse tipo de ofensiva sem remeter ao nome e à postura do ex-capitão.
“Primeiro, [temos] uma estetização da violência, que o Bolsonaro opera em seus discursos e na sua performance. Ele reivindica a violência como método, glamoriza o uso da violência, fala muito de porrada, bomba, tiro, fala em uso da violência e faz apologia ao uso de armas – não só apologia, mas também políticas públicas que vêm facilitando a armas de maneira geral”, resume.
A professora, que estuda a trajetória política do ex-capitão, chama a atenção para o fato de Bolsonaro ter apresentado um comportamento historicamente linear nesse sentido, uma vez que desde os tempos de Legislativo o líder extremista proclamava repetidamente a existência de “inimigos políticos” e fazia referência à eliminação de opositores.
Em 2018, por exemplo, o então candidato a presidente chegou a defender abertamente o que chamou de “fuzilar a petralhada”, em menção a membros do PT e companhia. Na esteira desse tipo de fato, a especialista da UFRJ entende que a conduta do ex-capitão e o bolsonarismo como prática ideológica favorecem a conversão de antipatias políticas em verdadeiros crimes de ódio, especialmente por conta do grande poder de influência e contaminação gerado por Bolsonaro.
“Quando você tem um líder que atua simbolicamente para criar um ambiente favorável ao uso da violência, isso estimula os cidadãos a aderirem a essa simbologia. Eles se veem respaldados, retroalimentados e validados por um representante político e têm acesso facilitado a armas”, relaciona Mayra Goulart.
Punibilidade
Na tentativa de conter a onda de ataques de ódio, após o episódio em Foz do Iguaçu, opositores anunciaram uma série de agendas e medidas para esta semana. Nesta terça (12) à tarde, por exemplo, lideranças das siglas PT, PSB, PC do B, PV, PSOL, REDE e Solidariedade terão uma agenda com o procurador-geral da República, Augusto Aras, para solicitar a federalização do caso de Marcelo Arruda.
Na tarde de quarta (13), o grupo irá a uma audiência com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para protocolar uma representação contra iniciativas de incitação ao ódio durante a campanha eleitoral. Moraes é o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e assume a Corte em agosto, após Edson Fachin deixar o posto.
Esta ultima agenda havia sido anunciada pelo líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que responsabiliza o presidente Jair Bolsonaro (PL) por discursos de ódio e incitação à violência. O parlamentar tratou sobre a iniciativa via Twitter, na segunda (11):
As instituições, candidatos e partidos comprometidos com a democracia têm a obrigação de reagir ao avançar da barbárie bolsonarista. Ainda esta semana iremos propor representação ao TSE para responsabilizar Jair Bolsonaro por discursos de ódio e incitação à violência.
— Randolfe Rodrigues (@randolfeap) July 11, 2022
“Não há solidariedade, não há solução. O presidente da República (e pré-candidato à reeleição) não toma providências. Falta humanidade, falta consciência, falta noção do cargo que ocupa. Os atos de violência têm aumentado por isto: porque estão sendo fomentados”, disse Randolfe, em outra postagem anterior.
Para a pesquisadora Mayra Goulart, a correlação feita pelo senador encontra sustentação inclusive na forma como o personagem político Jair Bolsonaro foi tratado ao longo de sua jornada como parlamentar. O hoje presidente da República atuou na Câmara dos Deputados durante 18 anos. Foram sete mandatos, entre 1991 e 2018.
“Uma das coisas que a gente percebe na nossa pesquisa é que faltou esse freio institucional a ele. Por exemplo, ele só foi acionado pela Câmara de decoro parlamentar uma vez. Então, houve, na trajetória legislativa de Bolsonaro, uma conivência das instituições no sentido de não terem punido ele quando fazia discurso de apologia à ditadura, ao fechamento do Congresso”, exemplifica.
Riscos
O episódio de sábado também deixou, diante do atual contexto nacional, um rastro de preocupação sobre o que pode estar por vir na campanha eleitoral do país se os ataques de ódio não forem contidos.
“Já está em curso uma ação violenta contra militantes e possíveis candidatos, que é para criar um pânico, um medo nas pessoas. Mas, além disso, há ameaças concretas às próprias instituições”, aponta o coordenador-executivo da ONG Terra de Direitos, Darci Frigo.
De olho nesse cenário, o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PT-PE), apresentou na segunda (11) um projeto de lei que amplia a punição para crimes políticos. A proposta é incluir a violência política que resulte em assassinato no Código Penal como homicídio qualificado.
“Hoje, no Brasil, a violência política praticada pelo presidente da República e seus principais seguidores, se não for parada agora, terá durante a eleição um aumento muito significativo”, disse o parlamentar, via Twitter.
. @senadorhumberto quer garantir que a violência política seja barrada agora e apresenta projeto de lei que aumenta punição para crimes políticos. #JustiçaPorMarceloArruda pic.twitter.com/jGmQ9SgIWK
— PT no Senado (@PTnoSenado) July 11, 2022
O receio ganha maiores proporções quando se verificam os dados de uma pesquisa produzida nos últimos anos pela Terra de Direitos em parceria com a organização Justiça Global. O levantamento mostrou que, em 2020 – ano em que o país escolheu novos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para ocuparem mais de 67 mil cargos eletivos –, houve aumento significativo da violência política em relação ao pleito anterior.
Em 2018, ano em que Bolsonaro foi eleito para conduzir o Executivo federal, a pesquisa registrou 17 ocorrências de assassinatos e atentados contra candidatos, pré-candidatos ou ocupantes de cargos eletivos. Já em 2020, quando o ex-capitão estava há mais de um ano no comando do país, foram pelo menos 107 registros. Segundo os pesquisadores, esse número é superior ao total de casos verificados entre 2016 e 2019, quando houve 98.
No atual contexto de extremo acirramento e polarização política entre eleitores de Bolsonaro e do ex-presidente Lula, os dados dos últimos anos acentuam o receio sobre o que a população pode enfrentar adiante em termos de ataques de ódio.
É fator de destaque, por exemplo, a autocensura por parte de eleitores que possam não querer manifestar suas posições políticas na campanha eleitoral de 2022 por medo de serem perseguidos ou mesmo aberta e gravemente atacados, como ocorreu com Marcelo Aloizio de Arruda.
“Neste momento, é preciso que as autoridades deem sinais nítidos para que todas as pessoas possam sair às ruas e defender as suas posições livremente. O direito de manifestação é assegurado na Constituição brasileira e, ao mesmo tempo, que as pessoas, ao se manifestarem, não sofram violência”, defende Frigo.
O dirigente lembra que os riscos do atual cenário político nacional se impõem também sobre o período pós-pleito. “As autoridades precisam dizer, por exemplo, como vão garantir o resultado das eleições. Mais do que nunca as instituições, especialmente as do sistema de Justiça, vão ter que demonstrar concretamente quem vai ser o fiador do processo eleitoral”.
Edição: Vivian Virissimo