O dia 6 de setembro de 2018 está na história brasileira. A facada no então candidato Jair Bolsonaro (PL), em Juiz de Fora (MG), mudou completamente os destinos daquela eleição. Mas, para além do certame eleitoral, também provocou uma revolução na vida da bancária Lívia Gomes Terra, que foi vítima de uma fake news que a persegue desde então.
À época, o engenheiro e bolsonarista Renato Henrique Scheidemantel fez uma publicação em seu perfil no Facebook, acusando Terra de ter entregado a faca utilizada no atentado ao autor do crime, Adélio Bispo.
Quase quatro anos depois, Scheidemantel foi condenado por calúnia pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Pelo crime, teria que cumprir a sentença de 10 meses e 20 dias de detenção. No entanto, por ser réu primário, o juiz substituiu a prisão por uma pena restritiva de direitos, como prestação de serviço à comunidade.
"Embora essa sentença não seja definitiva, o conteúdo dela é bem educativo. Nós vamos iniciar, agora, um processo eleitoral que, tudo indica, será tão violento quanto o último e as pessoas precisam saber que fake news é crime, as pessoas precisam ter responsabilidade quando estão atrás de um celular ou computador", conta Lívia Terra.
Calvário
A publicação de Scheidemantel é de 8 de setembro, dois dias após o atentado. No título, dizia: "descoberta a identidade da mulher que entregou a faca para o assassino do Bolsonaro". Acompanhava o texto uma seleção de 5 fotos de Lívia Terra, que mora em Juiz de Fora (MG), uma delas usando uma camiseta com o rosto de Lula.
As investigações da Polícia Militar e Polícia Federal descartaram completamente o envolvimento de Lívia Terra com o atentado. Ela estava em casa no momento da facada, recuperando-se de uma doença e com atestado médico que a afastava do trabalho.
A bancária, que é sindicalista e petista, passou a ser alvo de diversos ataques. Em apenas duas horas, a publicação de Scheidemantel já ultrapassava 550 compartilhamentos no Facebook. Começava ali, o calvário de Terra.
"Começaram a dissecar minha vida e fazerem postagens mais complexas. Surgiram postagens em grupos de Whatsapp, que viralizaram, e comecei a receber ameaças de todo o país, além de todo o xingamento. No primeiro momento, eu fiquei sem saber o que fazer. Então, eu conversei com o advogado do sindicato e o meu primo, que é advogado, eles me recomendaram ficar quieta e eu me tranquei em casa. Meu medo era que isso não estivesse apenas nas redes, mas também nas ruas", recorda.
Fruto da perseguição que sofreu, Terra desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático e síndrome do pânico. "Com os episódios de pânico e ansiedade, isso tudo deixou o quaro mais crítico. Uma das coisas que se manifestaram primeiro, foi o pânico de sair de casa. Durante a pandemia, eu só saía da minha casa para trabalhar e depois passar muito mal."
Em sua decisão, o juiz faz um alerta. "É imprescindível fazer menção que o uso contínuo e nocivo das redes sociais não pode servir de desculpa para a prática de crimes contra a honra (aliás, tais delitos têm crescido exponencialmente nos últimos anos), eis que os aplicativos e sites de internet não se constituem em 'terras sem lei', [...], tais veículos 'on-line' possuem alta capacidade destrutiva da dignidade e honra pessoal quando utilizados de forma criminosa."
Edição: Nicolau Soares