Generais palacianos não perdem oportunidade de importunar a débil e imperfeita democracia brasileira
Pedro Maluco ou, conforme o cartório, Pedro Duarte Guimarães, então presidente da Caixa, foi o personagem da semana passada mas continua sendo protagonista nesta, mesmo após seu encontro com a guilhotina. Maluco virou ex mas a destruição que produziu nos princípios mais elementares de convivência em um ambiente de trabalho prossegue trazendo vítimas à tona.
Revirando-se as entranhas do banco, descobre-se que o vírus do bolsonarismo transformou o constrangimento em política corporativa com direito ao acobertamento militante por parte de diretores e à omissão de órgãos que deveriam zelar pela instituição. Ao ponto de uma das vítimas falar em “dezenas de Pedro Guimarães” e na naturalização da cultura do assédio.
Mas falamos em assédio – sexual e moral – do ex-presidente da Caixa, amigo do peito de Jair Bolsonaro, parceirão de lives e pescarias, mas deixamos encoberto outro tipo de assédio, constante e impune: o assédio sobre a democracia.
Encarapitados no Planalto, os generais palacianos não perdem oportunidade de importunar a débil e imperfeita democracia brasileira. Dá-se o assédio político e ideológico contra um dos instrumentos democráticos por excelência: as eleições. Tentam alvejá-las por uma presumida fragilidade nunca demonstrada nos últimos 90 anos.
Levantam dúvidas, dão pitacos e invocam o direito de arbitrar a lisura do pleito deste ano. Mas qual é mesmo a expertise da caserna no métier? Certamente não será maior do que a do Ministério da Agricultura e Pecuária. Ou da Saúde. Quem sabe a do Turismo?
O mais notável é que, se a gente der uma espiada na história destes tristes trópicos, a contribuição que as Forças Armadas podem oferecer às eleições rivaliza com aquela dada pelo general Pazuello no enfrentamento da covid-19.
Senão vejamos: em 1964, os generais assediaram a democracia, removendo um presidente eleito pelo voto popular. E acabaram com as eleições para presidente durante 21 anos. Quando a população saiu às ruas cantando “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil”, a reação do regime foi mover os deputados que comiam nas mãos do generalato para derrotar a emenda Dante de Oliveira em 25 de abril de 1984.
Dois dias antes da votação das “Diretas Já”, o general João Figueiredo, então no poder, suspendeu o direito de reunião, decretou estado de emergência em Brasília e arredores e botou a tropa na rua.
Refulgia à frente de seis mil soldados e 116 tanques e carros de combate, o comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, montado em um cavalo branco. Na Esplanada dos Ministérios, diante do buzinaço promovido por quem queria eleições sem demora, o general chicoteava os carros e desafiava: “Buzina agora, seu filho da puta!”
Sendo generosos, com a maior boa vontade, podemos dizer que os fardados sofrem de uma dificuldade bastante óbvia para lidar com eleições. Então, o assanhamento para instruir o TSE sobre como conduzir suas próprias atribuições pode não ser muito proveitoso. Alguns sinais estão nos ares.
A desconfiança do povo nas Forças Armadas subiu, segundo levantamento deste mês do Instituto da Democracia. O grupo de eleitores que diz não confiar nos militares chegou a 29,2%, enquanto aqueles que confiam muito somam 24,9%.
Compulsivo assediador da democracia, Bolsonaro já disse que as Forças Armadas “não farão papel de idiota” nas eleições.
Talvez o maior papel de idiota seja respaldar um energúmeno na elaboração do caos, desonrando-se ao lidar com uma tarefa com a qual não têm e nunca tiveram a menor afinidade.
*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo