Um outro modelo de segurança pública é possível? A pergunta que abre essa reportagem é respondida a partir da criação do Fórum Popular de Segurança Pública. Um espaço que reúne 34 organizações da sociedade civil, universidades e coletivos do Rio de Janeiro dispostos a fazer com que o conhecimento dos territórios negros de favelas e periferias sejam protagonistas na construção de um Estado que assegure a vida e os direitos da população que convive diariamente com a violência policial.
Leia também: RJ: Governo Cláudio Castro tem 39 chacinas e 178 mortes em um ano de gestão, revela estudo
O lançamento do Fórum ocorreu na última quarta-feira (29) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e reuniu representantes da sociedade civil que atuam na área de Direitos Humanos, além de moradores de favelas e familiares de vítimas da violência do estado num evento que contou com mesas de debates e também um ato simbólico em homenagem aos mortos pelas polícias.
Leia mais: Reconhecimento facial na segurança pública é "nova aposta no encarceramento", diz especialista
O manifesto de lançamento do Fórum traz críticas à diversos setores sociais, entre eles à academia. De acordo com o documento, ao longo dos anos a universidade determinou a segurança pública como categoria e não como objeto de análise, corroborando, desta forma, com a ideia de que a segurança pública é restrita às polícias e a necessidade ou falta dela, se distanciando assim dos espaços populares de mobilização.
A carta também aponta a inoperância do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que, segundo o documento, não exerce o papel constitucional de controle externo das polícias.
No entendimento do Fórum, o atual sistema de segurança pública é produtor de mortes e encarceramento em massa, afetando principalmente a população negra.
Mudando o Jogo
Para Buba Aguiar, moradora da favela de Acari, na zona Norte do Rio, e uma das fundadoras do coletivo Fala Akari, o Fórum é a oportunidade da periferia deixar de ser objeto de estudo e passar a atuar também na produção de conhecimento.
“A gente precisa produzir esses dados, estar nesses espaços de produção, de contagem desses números. É mais do que urgente um espaço como esse Fórum, que é para a gente estar dentro, mas hackeando esses debates, trazendo a nossa vivência, a nossa história, o nosso olhar para esses dados, que não é só institucional, acadêmico, mas de vivência também, de cuidado para como produzir, quando expor, pensar se é necessária certas exposições”, afirma.
Leia mais: Pesquisadoras explicam por que chacinas como a da Penha não são efetivas para combater o crime
Já Fransérgio Goulart, coordenador da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, ressalta a importância do Fórum para ampliar a articulação com outros setores da sociedade.
“O Fórum nasce nessa perspectiva de mobilizar outros atores e coletivos para fazer essa discussão, esse enfrentamento junto ao Estado. Segurança pública não é um debate somente de organizações de direitos humanos, não é um debate apenas de determinados movimentos sociais, a gente tem que trazer o pessoal da cultura, da educação, o pessoal que discute mobilidade, direito à cidade para esse debate”, detalha.
Ações
Neste primeiro momento, o Fórum Popular de Segurança Pública irá realizar agendas em comunidades da Baixada Fluminense, nas favelas da Maré, Alemão e Jacarezinho e nos municípios de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, e em Cabo Frio, na região dos Lagos.
“Até o final do ano, a nossa tarefa principal é continuar dialogando com a sociedade, mas a partir desses territórios, porque como foi falado aqui, são esses lugares que vão conceber uma política de segurança pública que preserve vidas e construa o bem-viver”, diz Fransérgio que lembra também do desafio da mobilização.
“Alguns territórios teremos que iniciar um processo de sensibilização dos atores que têm medo de discutir e é compreensível, o Estado é isso: essa máquina de violar direitos e a polícia é essa ferramenta”, ressalta.
Leia mais: Família do Jacarezinho (RJ) volta a viver em casa invadida por PMs do projeto Cidade Integrada
O Fórum atuará em três eixos de trabalho: mobilização/formação, incidência política e produção de conhecimento. No site da organização é possível encontrar a lista com todas as organizações participantes e mais informações sobre a proposta. Ativistas e instituições interessadas em fazer parte da iniciativa podem mandar um e-mail para [email protected].
Edição: Mariana Pitasse