O desembargador José Amilcar Machado, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, suspendeu decisão que obrigava o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a inserir no Censo Demográfico de 2022 perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero.
No início deste mês, o Ministério Público Federal (MPF) do Acre havia acionado a Justiça para que o Censo, que começa no dia 1º de agosto, incluísse no questionário as perguntas. Segundo o MPF, englobar essas questões contribuiria para a formulação de políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+. Porém, o IBGE apresentou recurso afirmando que a inclusão sobre orientação sexual e identidade de gênero levaria a mais um adiamento do Censo. Ainda segundo o instituto, a medida também afetaria a contratação de servidores temporários e recenseadores já selecionados.
O recurso acabou sendo acatado pelo desembargador em sentença proferida na última sexta-feira (24) que veio à público nesta segunda (27). O Censo Demográfico é a maior pesquisa sobre a população brasileira, realizada a cada 10 anos. A última ocorreu em 2010 e, por falta de orçamento, foi adiada de 2020 para 2022.
Políticas públicas prejudicadas
Presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Symmy Larrat critica a decisão do IBGE e do TRF-1. De acordo com a ativista, a inclusão dos itens nada tinha a ver com defender ou não a existência da população LGBTQIA+, mas sim de identificar toda a população com suas especificidades. “Não tem nenhum capricho em identificar pessoas LGBTQIA+. Colocar orientação sexual e identidade de gênero não é uma vontade caprichosa das pessoas LGBTQIA+. É uma necessidade”, destaca.
“Quando se identifica especificidades das populações quer dizer que o IBGE gera dados sobre essa população. E isso faz com que os poderes públicos possam criar políticas públicas de acesso a essa população de acordo com as suas necessidades específicas. Então é sobre isso. A gente saber quantas pessoas são, saber quais as demandas dessa população, para saber o que fazer por essa população”, ressalta Symmy Larrat.
Falsa inclusão
Para a economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marilane Teixeira, é importante abrir espaço para essas questões para pensar em políticas públicas voltadas à população LGBTQIA+ em todas as áreas, inclusive no mercado de trabalho.
“O quanto se recebe de denúncia sobre prática de misoginia, discriminação, preconceito nos locais de trabalho em relação à orientação sexual, desde o ambiente do trabalho, até vestiário, os banheiros públicos, até a própria forma de organização do trabalho, que não está preparada para lidar com a diversidade…”, diz a pesquisadora.
“Se a gente pode medir por meio das pesquisas é um grande avanço para a sociedade como um todo. Todos nós nos beneficiamos com isso. Para nós, da área do trabalho, poder identificar se há um certo confinamento de pessoas que têm uma orientação sexual distinta da heteronormatividade em relação ao tipo de trabalho que é o oferecido, as condições de trabalho, sem dúvida nenhuma é um avanço tremendo para os estudos de trabalho no Brasil”, completa Marilane.
Preconceito
A presidenta da AGBLT conclui que a não inclusão destas perguntas e a espera por mais 10 anos para que sejam incluídas no questionário do Censo Demográfico do IBGE demonstra o preconceito.
“Negar isso, tirar as pessoas LGBTQIA+ do IBGE que ainda nem cumpre o papel como tem que cumprir, é querer manter o fosso que essas pessoas têm entre ser uma pessoa LGBTQIA+ e ter acesso aos seus direitos e à cidadania. Porque a gente sabe que hoje essas pessoas, por conta do preconceito e da invisibilidade que o Estado impõe, elas não acessam direitos e a cidadania, como a saúde e educação, e tantas outros como merecem e deveriam”, lamenta Symmy Larrat.