Apuração

Conselho federal investiga enfermeira que ameaçou vazar dados de paciente vítima de estupro

Ação veio depois de denúncia pública feita pela vítima, que engravidou após abuso sexual e encaminhou bebê para adoção

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Mulheres vítimas de estupro têm direito a sigilo garantido por lei caso optem pelo aborto legal ou pela entrega da criança para adoção - Marcelo Camargo /Agência Brasil

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) está investigando a conduta da enfermeira que ameaçou vazar dados pessoais de uma paciente que encaminhou um bebê para adoção. A gravidez foi resultado de estupro.

O caso, que estourou na imprensa no último final de semana, ocorreu no estado de São Paulo e envolve uma atriz que foi indevidamente exposta por profissionais do hospital onde se deu o parto.

A artista, que depois acabou se identificando por iniciativa própria nas redes sociais para fazer um desabafo sobre a exposição de que foi vítima, disse ter sido indevidamente abordada pela enfermeira em questão logo após o nascimento do bebê.

Ela conta que, na ocasião, quando ainda estava anestesiada, a profissional ameaçou-a dizendo "imagina se tal colunista descobre essa história."

O Cofen abriu investigação para apurar a conduta da enfermeira e aponta que a eventual confirmação de infrações éticas pode resultar em cassação do direito ao exercício profissional, conforme definido pela legislação que orienta a prática da categoria. Entre elas está a Resolução 564/2017, da entidade, baseada na Lei nº 5905/1973.

"Caso se comprove que houve de fato exposição indevida de dados, essa profissional estará infringindo o código de ética", afirma o 2º tesoureiro do Cofen, Daniel Menezes. Segundo ele, o processo de averiguação se dará em diferentes etapas.

A primeira delas conta com atuação do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), que tem jurisdição local para atuar no caso e auxilia o Cofen fazendo uma apuração preliminar da denúncia. Havendo comprovação de indícios, analisa-se a admissibilidade para o processo ético.

Segundo Menezes, o processo todo dura no mínimo seis meses e deve levantar provas testemunhais, provas documentais, bem como garantir a ampla defesa e o contraditório à pessoa denunciada. Ao final, havendo comprovação da conduta irregular por parte da enfermeira, a profissional fica sujeita às punições previstas na legislação vigente.

"As penalidades são estabelecidas por lei e vão da mais branda, que é uma advertência, até outras mais graves, que são multa, censura, suspensão do exercício profissional por um período e até a cassação do direito do exercício profissional", explica Menezes.

O tesoureiro do Cofen destaca que a situação relatada pela atriz difere do que se espera de um profissional de saúde nesse tipo de contexto.

"Os princípios fundamentais da nossa profissão, por exemplo, são de que a enfermagem é comprometida com a vida, com a saúde e a coletividade. Então, num caso de violência como essa, o profissional tem que atender com o máximo de discrição possível e sem gerar mais transtornos e mais violência, o que, no caso que está sendo denunciado, pode ter ocorrido. A gente lamenta por profissionais que não sejam aderentes a essa conduta."

Contexto

A vítima do caso em questão teve informações pessoais vazadas para o colunista Leo Dias, do portal Metrópoles, que explorou o caso, expondo publicamente a imagem da atriz. Ele divulgou dados sobre o nascimento do bebê e rompeu as barreiras legais que protegem a identidade de mulheres e crianças nesse tipo de situação.

A entrega de filhos para adoção voluntária, por exemplo, é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As mulheres vítimas de estupro que adotam essa iniciativa ou optam pelo aborto legal têm direito à privacidade dos dados pessoais, conforme disposto na legislação brasileira.

Além da exposição por parte do colunista, a artista chegou a ser duramente criticada por internautas com discursos condenatórios. Dias depois da primeira exposição, ela decidiu se pronunciar publicamente, no último final de semana, quando pediu respeito à própria privacidade, lamentou a campanha difamatória que sofreu por parte de vozes mais conservadoras e expôs alguns detalhes do caso.

Entre outras coisas, a artista contou que também sofreu indelicadezas por parte do médico que cuidou do caso. O profissional, segundo ela, não teria tido "nenhuma empatia" e ainda teria obrigado a vítima de estupro a ouvir o coração da criança. "E disse que 50% do DNA eram meus e seria obrigada a amá-lo", acrescentou a atriz, no relato público.

O Brasil de Fato procurou também o Conselho Federal de Medicina (CFM) para checar se foi aberta alguma investigação sobre a conduta do médico e apurar detalhes sobre os trâmites adotados nesse tipo de situação, mas não houve retorno da assessoria de imprensa do órgão até o fechamento desta matéria.

Edição: Thalita Pires