A repressão de policiais militares à retomada do território Guapoy, no município de Amambaí (MS), ocorrida nessa sexta-feira (25), deixou pelo menos um morto e 10 feridos. O número pode ser maior, de acordo com entidades indígenas.
A morte de Vito Fernandes, de 42 anos, foi confirmada pelo serviço social do Hospital Regional de Amambaí. Ele morreu durante a ação policial. Ele chegou ao hospital sem vida, com três perfurações de armas de fogo pelo corpo. Seu corpo foi levado para o Instituto Médico Legal (IML) de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.
O Hospital Amambaí também confirmou que liberou três indígenas feridos e transferiu outros quatro, que apresentam ferimentos mais graves, para hospitais da região com mais estrutura. Três policiais também foram atendidos, mas liberados após seis horas de observação.
Além disso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fala em três indígenas desaparecidos, duas mulheres e uma criança de sete anos.
A Aty Guasu, principal entidade representativa dos Guarani Kaiowá, publicou em nota que dois jovens foram mortos. "Já são dois mortos, podendo ser maior o número (a comunidade fala em pelo menos quatro), e ao menos 10 feridos", diz o texto.
A entidade informou que policiais militares e pistoleiros contratados por fazendeiros expulsaram indígenas que haviam acabado de promover uma retomada no território Guapoy, sem ordem judicial de reintegração de posse. A organização também relatou que policiais teriam tentado impedir o atendimento de dois feridos no hospital de Amambai.
Em nota, a entidade indígena pediu que "o direito à vida seja respeitado e que a demarcação [da terra indígena] seja realizada".
Medo de um novo massacre
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diz ter medo de que o conflito "evolua rapidamente" para um novo massacre contra os Guarani Kaiowá, como o de Caarapó, também no Mato Grosso do Sul, em 2016. Na época, fazendeiros reagiram após indígenas retomarem a Fazenda Yvu. Cerca de 100 homens armados invadiram o território, mataram um indígena e feriram pelo menos outros seis.
"O Cimi pede, com urgência, o envolvimento de órgãos federais, bem como do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a fim de controlar a situação e investigar os episódios", escreveu a entidade indigenista. A Polícia Federal (PF) afirmou que mandaria efetivo para o local.
Na região marcada pela violência, a tensão aumentou após o assassinato de um indígena guarani de 18 anos no dia 21 de maio deste ano. Segundo o Cimi, Alex Lopes foi morto quando foi coletar lenha nos limites da TI Taquaperi, onde morava. Ele teria sido atingido por cinco tiros e seu corpo levado para o outro lado da fronteira com o Paraguai, a cerca de 10 quilômetros do local da morte. Até agora ninguém foi preso e o caso segue sem solução.
O Cimi aponta que a Terra Indígena (TI) Amambaí é a segunda mais populosa do Mato Grosso do Sul, com 10 mil indígenas. O território Guapoy, retomado na quinta-feira (23), é considerado pelos Guarani Kaiowá uma terra ancestral que foi deixada de fora da demarcação da TI.
Apib responsabiliza Simone Tebet e "agrobanditismo"
Natural do Mato Grosso do Sul, o coordenador da Articulação dos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, afirmou que o "Estado de Direito fracassou" no Mato Grosso do Sul. "A polícia militar, em regime de milícia privada dos fazendeiros, promove despejos sem ordem judicial. Já virou rotina. Um estado onde o agrobanditismo impera a custo do sangue indígena", publicou o advogado em seu perfil no Twitter.
Terena responsabilizou ainda o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e a senadora e pré-candidata à Presidência da República Simone Tebet (MDB), cuja base política está no Mato Grosso do Sul. "A polícia do estado do governador Azambuja e da senadora Simone Tebet está neste momento atacando os Guarani Kaiowá! Sob o argumento de cumprir a lei, estão atuando sem ordem judicial, afrontando decisão do STF", publicou a liderança indígena.
O outro lado
O Brasil de Fato solicitou um posicionamento para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e para a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve um retorno. O espaço está aberto para posicionamentos.
Edição: Thalita Pires