Coluna

Não brinque com fogo

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Três meses pode ser muito tempo para um governo cada dia mais impopular, afundado na violência institucional, na inflação e na corrupção - Getty Images
Prisão do ex-ministro completa a “tempestade perfeita” de desastres que abateu campanha de Bolsonaro

Olá,

Outubro é logo ali, mas três meses pode ser muito tempo para um governo cada dia mais impopular, afundado na violência institucional, na inflação e na corrupção.

.Onde só há fumaça. Depois de mais um aumento da gasolina e do diesel, a única solução apresentada pelo governo foi mais uma troca no comando da Petrobras. Mas Bolsonaro encontra-se numa encruzilhada: enfrentar o problema de frente ou seguir blefando e procurando culpados. É claro que ele prefere a segunda opção. O problema é que a mesma ladainha contra a petroleira e os governadores não se sustentará até o dia das eleições. Aliás, os governos estaduais já entraram com ação no STF para derrubar o novo cálculo do ICMS. Bolsonaro então resolveu aumentar o tom das ameaças contra a Petrobras e, ao mesmo tempo, terceirizar o trabalho para o presidente da Câmara Arthur Lira. A estratégia seria somar forças em torno de uma CPI dos combustíveis. Com isso, o governo tentaria uma jogada ensaiada: com uma mão, culparia a atual diretoria da empresa e seus investidores pela escalada de preços e, com a outra, apresentaria a privatização como solução. De lambuja, ainda requentaria o surrado jargão “E o PT, hein?”, ressuscitando escândalos dos governos anteriores. O problema é que o mercado viu fumaça no ar e não vai permitir que brinquem com gasolina. Afinal, vai que nessa CPI o centrão resolva ir além da retórica, aproveitando a crise para mexer na Lei das Estatais e recuperar o controle da Petrobras? Aliás, o recado foi dado pelo próprio Paulo Guedes, quando vetou qualquer questionamento sobre o alinhamento de preços dos combustíveis ao mercado internacional que hoje é praticado pela empresa. Todo mundo então botou a mão na consciência e viu que fazer uma lambança dessas a três meses das eleições podia ser uma jogada suicida, inclusive o chefe do centrão, Ciro Nogueira. Assim, por hora a CPI foi enterrada e o próprio Guedes tenta fazer um malabarismo para prometer um Auxílio Brasil de seiscentos reais, um Pix Caminhoneiro de mil reais e dobrar o vale-gás como bóia de salvação eleitoral. Quanto a Bolsonaro, continuará mordiscando o calcanhar alheio até o próximo aumento.

.Desandou a maionese. A prisão do ex-ministro Milton Ribeiro completa a “tempestade perfeita” de desastres que abateu a campanha de Bolsonaro. Primeiro, porque atinge em cheio o discurso anticorrupção que a junção bolsonarista-lavajatista se valia para bater no PT. Também porque respinga diretamente em Bolsonaro, seja pelo conteúdo das denúncias, seja pelo fato de Bolsonaro ter colocado a cara no fogo pelo pastor. Além disso, a prisão de Milton Ribeiro pode atingir em cheio a fidelidade dos setores evangélicos ao governo, agravando um movimento que já era de afastamento. Em terceiro lugar, o caso revela que o aparelho da Polícia Federal não está assim tão alinhado ao bolsonarismo como o governo quis fazer crer um dia antes, quando envolveu a PF na operação para bagunçar as eleições. Por fim, mais um escândalo desagrada e preocupa o centrão, num momento em que parte dele, inclusive Arthur Lira, já vinha flertando com a oposição. E, de brinde, o episódio ainda pode abrir a CPI do MEC, o que ajudaria a manter o escândalo na mídia por mais alguns meses. Tudo isso só agrava o cenário de pessimismo trazido pela incapacidade do governo responder à crise econômica e expresso nas pesquisas de intenções de voto. Isso sem contar que a vingança do STF pelo episódio Daniel Silveira tem sido fustigar semana a semana, caso a caso, agora tendo por alvo as motociatas. É claro que uma repactuação sempre é possível, como sugere o jantar amigável que reuniu Arthur Lira, o capitão e ministros do STF, uma imagem improvável há alguns dias atrás. Mas em se tratando de Bolsonaro, ninguém sabe até quando uma trégua pode durar. No mais, o escândalo do MEC já fez um enorme estrago e outras derrotas estão aí. A reação da sociedade ao episódio da juíza catarinense que tentou impedir o aborto de uma menina de 11 anos, por exemplo, enfraquece a linha Damares e demonstra que o bolsonarismo também não tem hegemonia sobre os temas morais como pensa.

.Brasileirão e Libertadores. Não é só quando joga em casa que o time de Bolsonaro perde. A inédita e improvável vitória da esquerda na Colômbia mostra que os ventos mudaram. É claro que os bolsonaristas utilizaram a vitória de Gustavo Petro para associar a esquerda à guerrilha e ao narcotráfico. O que demonstra um fato inegável: enquanto a esquerda latino-americana está mais moderada neste novo ciclo de vitórias, a direita está muito mais agressiva. Prova disso é que, os caminhos de Bolsonaro se estreitam cada vez mais para uma saída não-institucional ao estilo trumpista, leia-se golpe. Nem que seja como alternativa de sobrevivência ou para escapar de penas maiores no futuro. Como aliás, até Augusto Aras reconhece. Pior, talvez esta aventura venha armada, seja institucionalmente pela militância das forças armadas, seja pelos pelotões de clubes de caça e tiro que crescem assustadoramente no país. Do outro lado do campo, a candidatura de Lula segue o princípio de que em time que está ganhando não se mexe, confiando nas pesquisas que apontam possibilidade de vitória em primeiro turno. O problema é que, nem a nova versão do programa de Lula, mais conciliadora que o esboço inicial, conseguiu tranquilizar os bilionários. Mesmo retirando a proposta de revogar a reforma trabalhista, sem qualquer menção ao tema do aborto e até fazendo aceno aos policiais, a manutenção da revogação do teto de gastos e a simples menção à possibilidade de uma nova legislação trabalhista foram suficiente para assustar o empresariado. Por isso, a presença do topo do PIB na agenda petista deve se intensificar nos próximos dias. Em contrapartida, Bolsonaro mostra-se disposto a dar os anéis, os dedos e o que mais lhe pedirem, defendendo a autonomia do Banco Central e prometendo recriar o extinto Ministério da Indústria e Comércio.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A fome global que se alastra – e como detê-la. No Outras Palavras, Michael Roberts escreve sobre a responsabilidade dos especuladores e do aquecimento global na inflação dos alimentos.

.Entenda o que significa a extradição de Assange para os EUA. Depois de sete anos confinado e três anos preso, o pior ainda está por vir. E a única esperança de liberdade é uma mobilização global. No Poder360.

.Para aqueles que virão. Em entrevista para o Jacobin, Álvaro Garcia Linera fala sobre a ameaça fascista e as possibilidades de novas alternativas no continente.

.A indispensável reconstrução da UNASUL. No Outras Palavras, Paulo Kliass lembra que o fracasso do Grupo de Lima e a ascensão de governos de centro-esquerda no continente recolocam em pauta a articulação regional.

.Os novos ricos da Funai. A  agência Sportlight denuncia as empresas recém-abertas e que receberam contratos milionários do governo para atuar na Amazônia, em especial na pandemia.

.O mito do mito. Na Piauí, Natália Viana desvela o mito da eficiência dos militares na gestão pública.

.Voto evangélico. No Brasil de Fato, Caroline Oliveira aponta os erros da esquerda em se distanciar das outras pautas do eleitor evangélico.

.Em 2022, vontade política não significa necessariamente engajamento online. No podcast Tecnocracia do Manual do Usuário, Guilherme Felitti discorre sobre a distância entre o engajamento nas redes e a ação real do bolsonarismo.

.Dilemas do Sul. O episódio de estreia do podcast do Instituto Tricontinental debate a relação entre os militares e a política no Brasil com os pesquisadores Ana Penido e Jorge Rodrigues.

.Salão do Livro Político. Mais de 70 editoras oferecem livros com descontos e debates relevantes na sétima edição da feira literária.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo