As eleições presidenciais do próximo domingo (19) serão fundamentais para o futuro da questão agrária na Colômbia. Assim como o Brasil, o país é marcado pela concentração de terras e o latifúndio, que foram dois dos motivos centrais para a deflagração e manutenção do conflito armado que já dura 58 anos.
O Pacto Histórico, chapa que unifica a centro-esquerda, defende a implementação integral dos Acordos de Paz, garantindo a reforma rural e distribuindo terra aos pequenos agricultores.
"Nós caracterizamos Petro como progressista-liberal. Não acreditamos que poderia realizar uma reforma agrária integral e popular, mas acreditamos que poderia avançar na democratização da terra", comenta o secretário executivo da Coordenadora Nacional Agrária (CNA), Fabián Barreto.
Já a Liga de Governantes Anticorrupção, chapa encabeçada por Rodolfo Hernandez e que representa a direita do país, propõe manter uma política de subsídios desde que os agricultores cumpram com a produção prometida, mas não fala em redistribuir a terra.
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"Um possível governo de Hernández seria a continuação de uma política de espoliação das terras. Acreditamos que os paramilitares permaneceriam no território, o que seria muito complicado para a segurança das comunidades", analisa Barreto.
A diferença no programa também se expressa no perfil dos candidatos à presidência. Gustavo Petro é senador, foi deputado, prefeito de Bogotá e um dos fundadores da guerrilha urbana M-19.
Rodolfo Hernández é engenheiro, empresário e latifundiário. Vive numa fazenda em Pidecuesta, no departamento de Santander, e afirma que sua fortuna avaliada em US$ 100 milhões foi fruto "70% em terras e 30% em trocas, vendas e financiamentos".
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Terra de ninguém?
Não há um levantamento oficial recente sobre a propriedade e distribuição de terras no país. Segundo o Centro Nacional de Memória Histórica, entre 1903 e 2021, o Estado colombiano concedeu 60 milhões de hectares de terra, equivalente a 50% do território. Levantamentos independentes apontam que 5% da população colombiana detêm 87% das terras.
Na década de 1990, contra a espoliação e despejo violento dos seus territórios, os camponeses colombianos passaram a se organizar e defender com armas o seu direito à terra. Desse processo surgiram as primeiras guerrilhas: Forças Armadas Revolucionárias do Comum - Exército do Povo (FARC-EP), o Exército de Libertação Nacional (ELN), ambas em 1964, e o Exército Popular de Libertação (EPL), em 1967.
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O início do conflito no campo e a pressão popular fizeram o então presidente Carlos Lleras Restrepo discutir a primeira proposta de reforma agrária para o país, criando o Instituto Colombiano da Reforma Agrária (Incora). Sua aposta era criar uma "classe próspera de produtores".
No entanto, a proposta não foi suficiente e, após 58 anos de conflito armado entre guerrilhas, narcotraficantes, paramilitares e o Estado, a questão da terra continua em xeque.
Os Acordos de Paz assinados em 2016 previam no seu primeiro capítulo uma reforma rural integral, com distribuição de terras a pequenos agricultores, abertura de crédito, criação de infraestrutura no interior do país para apoiar o processo de substituição de ilícitos e buscar a autossuficiência em alguns produtos agrícolas.
Do total de 7 milhões de hectares que deveriam ser concedidos à ex-guerrilha, somente sete dos 24 espaços territoriais das FARC-EP foram atendidos, com 24 a 45 hectares cada um.
Os dados do último Censo Nacional Agropecuário indicam que de 113 milhões de hectares cultiváveis no país, cerca de 75% das unidades de produção possuem menos de 5 hectares e representam 2,1% da área coberta pelo censo. Já as propriedades com mais de 500 hectares representam 0,4% das unidades e correspondem a 41,1% do território.
"O problema da concentração de terras teve um efeito negativo na Colômbia, sendo caracterizado por uma extrema ineficiência do uso do solo associado: subutilização de terras com potencial agrícola e superutilização de terra com potencial pecuário", aponta relatório Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A Colômbia exporta 58 produtos a 28 países, sendo os maiores compradores os EUA (37,5%), Bélgica (5,1%) e Holanda (4,6%). Os principais produtos agrícolas de exportação colombianos são o café, banana, cacau e flores, além de carne bovina e peixe. Em 2021, esses produtos representaram US$ 9,4 bilhões (cerca de R$ 47 bilhões) em vendas, segundo o Ministério da Agricultura. O setor agropecuário representa cerca de 19% das exportações nacionais, de acordo com o Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (Dane).
O modelo baseado no agronegócio, assim como no Brasil, garante altas cifras de exportação, mas não coloca comida no prato. A FAO indica que a Colômbia pode sofrer de "fome aguda" ao final de 2022, com 7,3 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Outra questão levantada pelas Nações Unidas é a apropriação estrangeira das terras na Colômbia. Em 2013, a empresa Cargill controlava, por meio de 36 sociedades distintas, a produção de milho e soja em 52 mil hectares somente no departamento de Vichada.
Fabián Barreto afirma que uma reforma integral poderia garantir a autossuficiência na produção de cereais, como arroz e milho, e de proteína animal, como carne e leite. Mas para isso, afirma ser necessário a criação de um projeto que englobe direito à terra, apoio técnico, planejamento da produção e subsídio de insumos aos pequenos agricultores.
"Devemos criar um plano de acompanhamento, não adianta só entregar a terra aos pequenos produtores e esperar que eles se defendam", diz.
#SoberaníaAlimentaria
— Coordinador Nacional Agrario | CNA-Colombia (@CNA_Colombia) May 29, 2022
La Plataforma Aguante Popular realizó jornada comunitaria alrededor de la Huerta comunitaria en Nuevo Girón, se reflexionó sobre la crisis en el campo colombiano y la apuesta de la soberanía alimentaria💚#ElCampoSeRespeta pic.twitter.com/3IlxxNMyeV
Violência
"Esperamos que um novo governo progressista ataque a formação dos grupos paramilitares que estão a serviço dos grandes donos de terra e tentam liquidar nossos companheiros e companheiras", defende o diretor da CNA.
Desde 2016, acumulam-se 1.624 defensores de direitos humanos e ex-combatentes assassinados, sendo 930 mortos durante a gestão de Iván Duque. A maioria deles vivia na zona rural. Somente em 2022 já foram registradas 44 chacinas com mais de 100 vítimas. Vinte e uma das vítimas eram signatárias do mecanismo de paz.
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Diante da violência no campo, a CNA passou a organizar junto ao movimento indígena e comunidades quilombolas as guardas camponeses e guardas interétnicas. Existem cerca de 700 camponeses organizados e 200 guardas indígenas, com maior presença na região de Cauca, Arauca, Santander, Cesar e Amazonas.
"É uma estratégia de autoproteção que está vinculada a nossa proposta de territórios camponeses agroalimentares", diz Barreto.
Até o momento há 500 mil hectares declarados como territórios camponeses agroalimentares. A meta da CNA é chegar a 10 milhões de hectares. A Coordenadora, que articula 50 organizações camponesas e é o braço da Via Campesina na Colômbia, também construiu biofábricas para produzir fertilizantes orgânicos. "Queremos construir uma grande fábrica nacional de bioinsumos", disse o diretor da CNA.
"Apostamos que ganhem Petro e Francia. Temos muita identidade política com Francia nessa chapa. A disputa institucional é um eixo de luta. Neste caso ganharíamos o governo, mas a disputa pelo poder é muito mais longa", conclui Fabián Barreto.
Edição: Thalita Pires