Dialética é entender que as coisas não são impostas no campo social, mas disputadas. Mesmo na Alemanha nazista, alguns judeus conseguiram permanecer vivos por causa de vozes que lutaram com eles. A Itália ocupada pela Alemanha se negou a entregar seus judeus, outros países também o fizeram. Diversas pessoas esconderam possíveis vítimas do regime nazista. A tentativa de negar a existência dessas disputas é utilizada como ferramenta para homogeneizar a sociedade, implementar uma ideologia que serve a alguém.
Essa disputa é a razão de existir uma carcaça de direito nos sistemas militares como o que existe no exército ou nas polícias militares. Há disputa nas polícias e no exército. Há disputa por direitos, por conquistas. Revistas militares que hoje são o “reacionaristão” já tiveram discussões de altíssimo nível sobre direitos, reforma agrária, poder do povo, qualidade de vida.
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Acontece que o direito e o militarismo são como água e óleo. Porém o direito é visto como aquilo que nos civiliza. Portanto, se os sistemas militares admitirem que não compactuam com a ideia de que todos são iguais perante a lei, ele perderá legitimidade e poder.
Os sistemas militares ficam, então, em uma sinuca de bico: se negam o direito, perdem legitimidade. Se o aceitam, então o militarismo desmorona.
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O que fazer? Como sobreviver? No Brasil – não que seja exclusividade nossa – os militares criaram sua própria justiça. Uma justiça de brinquedo. Uma justiça para quem olha de fora pensar que existe justiça, mas qualquer um que tenha vivido dentro de um sistema militar sabe muito bem que um soldado nunca poderá denunciar um oficial dentro do militarismo e esperar paridade de armas durante o processo.
A justiça militar serve para evitar incômodos. Quando alguém grita, “aquela ação deveria ser investigada”, os militares dirão, “hora, nós investigamos, nós julgamos”. Um julgamento de brincadeira, mas que tem consequências reais.
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Os militares brasileiros não se enxergam como cidadãos brasileiros, mas como superiores aos cidadãos brasileiros, merecedores de um sistema de saúde que lhes garanta prótese e viagra, enquanto militam pela privatização da saúde.
E tudo fica ainda melhor quando a ideologia militar ganha os tribunais civis. Juízes sendo passados para trás e achando que são duros, legalistas. A inteligência militar não está na capacidade de raciocínio ou de observação social. A inteligência militar está na sua incrível capacidade de manipular sem deixar transparecer.
*Martel Alexandre Del Colle é policial militar aposentado.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini