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Governo ignora e não aplica lei de socorro a agricultores: "Sinceramente, estamos esquecidos"

Camponês do RS que viu valor agregado de mercadoria cair 70% afirma que recursos da Lei Assis Carvalho 2 não chegaram

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Seca atingiu lavouras em diferentes pontos do país neste semestre, incluindo o Paraná - Guilherme Martimon/Mapa

Promulgada no final de 2021 após um longo percurso de negociações no Congresso Nacional, a Lei Assis Carvalho 2, que prevê medidas de socorro estatal para agricultores familiares, segue sem aplicação no país. A situação vem sendo denunciada por movimentos populares do campo que pressionam o governo Bolsonaro por uma imediata execução da norma.

Registrada com o número 14.725/21, a medida prevê a liberação de R$ 2,5 mil para camponeses afetados pela pandemia cuja situação seja de pobreza ou extrema pobreza, com pagamento de R$ 3 mil para núcleos liderados por mulheres.

Também determina a criação de uma linha de crédito sem juros específica para produtores de leite com uma década para quitar os valores.  

Outros pontos fixados pela lei são: adiamento de parcelas vencidas de operações de crédito rural; prazo de até 30 de dezembro deste ano para descontos na negociação de débitos; entrada em programa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que compra e distribui alimentos para pessoas em situação de insegurança alimentar, entre outros benefícios.

O agricultor Alex Morgan, de Alto Alegre (RS), está entre os que esperam a chegada de algum amparo governamental para o setor, duramente penalizado pelos efeitos da pandemia. No Rio Grande do Sul em particular, as plantações foram afetadas ainda por uma longa estiagem que prejudicou as lavouras.

O camponês, que produz laranja e leite in natura destinado à agroindústria, conta que o valor agregado da mercadoria comercializada pela família reduziu cerca de 70% nos últimos tempos. A queda comprometeu ainda mais a renda da família, gerando dificuldades na produção de alimentos. Sem ajuda governamental, Morgan conta que o desestímulo vem tomando conta do trabalho.

“A gente está meio desacreditado diante do governo que está aí hoje, principalmente porque o governo federal, para a agricultura familiar, não está fazendo praticamente nada. E olha que a gente vem de uma estiagem severa. É uma situação muito preocupante esta de hoje da agricultura. Sinceramente, estamos esquecidos", afirma o agricultor.  


Produção de leite in natura pela família de Alex Morgan foi afetada pela pandemia / Marcello Casal Jr./Agência Brasil/Arquivo

STF

Parlamentares da bancada do PT na Câmara ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o Judiciário obrigue o governo a cumprir a lei. Os petistas acusam o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) de crime de responsabilidade por conta da inoperância da norma.

O partido argumenta que o esquecimento da lei deixa o segmento ainda mais vulnerável às intempéries do momento e não ajuda a mitigar os impactos socioeconômicos causados pela crise sanitária originada pela covid-19.  A omissão fere a Constituição Federal, segundo o PT.

A ação tramita há dois meses e está sob relatoria do ministro Edson Fachin, mas ainda sem apreciação por parte do magistrado. O coordenador do núcleo agrário do PT, deputado Airton Faleiro (PT-PA), conta que o estímulo para recorrer à Corte partiu do grande dispêndio de energia que foi investido na tramitação do projeto de lei (PL).

“Fizemos um processo democrático, apresentamos um projeto, foi escolhido um relator, votamos e aprovamos quase por unanimidade, depois foi pro Senado, foi aprovado e, estranhamente, o presidente vem e veta. Depois, derrubamos o veto, a lei foi sancionada e agora não é aplicada. Por que isso?”, questiona.

Fluxo

A medida nasceu a partir de reivindicação direta de movimentos agrários junto aos parlamentares, por isso tem amplo apoio popular e resultou em grande pressão desses setores sobre o Legislativo para garantir um sinal verde ao então projeto de lei.

Batizada de Lei Assis Carvalho 1, a primeira proposta com esse teor surgiu ainda em 2020, por meio do PL 735/2020, que previa uma série de medidas de amparo ao setor, entre elas um auxílio emergencial específico para agricultores. O texto foi chancelado pelo Congresso, mas terminou virando alvo da tesoura de Bolsonaro, que vetou quase todos os pontos da lei.

O freio presidencial estimulou duros protestos de opositores e gerou como reação a apresentação de uma nova proposta, o PL 823/2021. Assinado pela bancada do PT, o texto recuperava os trechos vetados pelo chefe do Executivo e foi novamente aprovado pelo Legislativo, mas mais uma vez esbarrou na objeção de Bolsonaro, que vetou integralmente a proposta. O veto foi derrubado por deputados e senadores em dezembro, e a legislação terminou sendo promulgada dias depois.

“Com veto derrubado e lei promulgada, tem que ser executada. É isso que nos motivou a procurar o STF porque, além de desrespeitar o Congresso, pelo fato de haver o descumprimento de uma deliberação quase unânime do Legislativo, a maior maldade é com a população que produz e a que consome alimentos”, atribui Faleiro.

A secretária de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Vânia Marques, afirma que, pelo fato de Bolsonaro negar frequentemente as reivindicações do segmento, a entidade “já sabia” que seria difícil se efetivar a legislação.  

“Mas a gente vê como um grande desrespeito com a categoria, que já enfrenta um descaso histórico referente a direitos, políticas públicas. A situação da agricultura familiar não tem sido fácil. A gente vê isso como um grande desrespeito por parte do governo de não olhar pra categoria que é responsável pela alimentação do Brasil”. 

Incentivos

Milton Fornazieri, o “Rascunho”, do Setor de Produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), assinala que a não execução da Lei Aldir Blanc 2 agrava a situação dos que vivem do campo e hoje não encontram meios de incentivo à produção.

“Nesses últimos seis anos, nós praticamente perdemos todo o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], toda a assistência técnica, e o crédito que tínhamos voltados pra alguns assentamentos de reforma agrária diminuiu muito em termos de acesso dos assentados ao nível de Brasil”, resume.


Expansão da produção de alimentos tem relação direta com quantidade e opções de produtos a serem consumidos no mercado / Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fornazieri acrescenta que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) também ficou mais inacessível.  

“As cooperativas ou famílias vão lá aos bancos e não encontram mais crédito porque o governo Bolsonaro suspendeu tudo. A gente vê nisso a questão da prioridade porque, se a agricultura não é prioridade, então, eles cortam tudo o que a gente precisa. Por outro lado, você vê aí as emendas secretas [do Congresso] esbanjando dinheiro e gastando todo tipo de orçamento no país”, compara.  

O MST destaca que o incentivo por meio de créditos disponíveis para o setor é fundamental para garantir a produção necessária de alimento e evitar escassez de produtos no mercado. “Pra quem vive no campo, ou você tem capital de giro pra plantar e ter condições de produzir ou você simplesmente não produz.”  

Governo

O Brasil de Fato tentou ouvir o Ministério da Agricultura (Mapa), gestor das políticas previstas na Lei Assis Carvalho 2, a respeito da não execução da norma e das críticas expostas nesta reportagem, mas não obteve retorno da pasta até o fechamento da matéria.

Edição: Lucas Weber