A Cúpula dos Povos pela Democracia começou em Los Angeles nesta quarta-feira, dia 8 de junho. Todavia, o evento é muito mais do que apenas uma alternativa à Cúpula das Américas organizada pela Administração Biden e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Historicamente, a Cúpula das Américas tem sido um lugar para os Estados Unidos – que possui papel central na OEA e que continua a explorar as Américas por recursos e mercados – apresentar sua própria agenda para a região.
Mas este ano, muitos líderes por todo o continente decidiram boicotar a cúpula, a começar pelo presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador. O boicote foi um protesto contra exclusão dos países latino-americanos aos quais os Estados Unidos é mais hostil: Nicarágua, Venezuela e Cuba. Apesar de esta não ser a primeira vez que certos países são excluídos da cúpula, esta foi a primeira vez que tais exclusões foram recebidas com resposta tão forte.
Isso coloca um desafio distinto para os organizadores da Cúpula dos Povos: como organizar uma contra cúpula quando a original já é um fracasso?
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Felizmente para a Cúpula dos Povos, seus organizadores aplicaram criatividade e otimismo na construção de algo que é muito mais do que uma evento alternativo. A Cúpula dos Povos é, na verdade, algo completamente novo.
Voluntários de organizações de convocação, como a Coalização ANSWER e o Peoples Forum, chegaram a Los Angeles vindos de todo o país com um propósito: construir uma bem-sucedida Cúpula dos Povos.
Assim que a colação de grau da Escola Técnica Comercial de Los Angeles terminou, às 22h do dia 7 de junho, os voluntários começaram a descarregar materiais para a cúpula do dia seguinte. Grupos carregaram blocos de concreto e tábuas de madeira, enquanto outros passavam de mão em mão caixas de materiais em uma espécie de linha de montagem. Eles foram informados para permanecerem no local até a meia-noite ou mais tarde que isso, mas acabaram por finalizar tudo uma hora antes do esperado, concluindo com cantos de “alta disciplina, moral elevado!”.
Às seis da manhã do dia seguinte, esses mesmos ativistas estavam de volta ao campus para organizar tudo a tempo para a cerimônia de abertura, na quarta (9) às 11h. Por volta da hora de abertura, latas de lixo e cadeiras foram removidas da área de cerimônia. Uma exibição artística foi instalada, uma barraca foi montada, salas foram equipadas e o hall foi preparado para acomodar milhares de convidados.
A cerimônia de abertura começou com uma “mística” ou ritual de leitura coletiva que é popular na América Latina. Um poema foi lido por três ativistas em três diferentes idiomas: português, espanhol e inglês. No último verso se lê: “A esperança tem o nome da liberdade”.
O fracasso da Cúpula das Américas foi comentado muitas vezes ao longo do dia. O intelectual palestino, Dr. Rabab Abdulhadi, disse, durante o painel que falava sobre solidariedade: “Povos lutando por seu direito à autodeterminação, pelo direito à liberdade, justiça, paz e por seus filhos não se importam muito com o que pensam os Estados Unidos, Biden ou essa Cúpula fracassada, que ele [Biden] vai realizar com muitos ausências”. Ele acrescentou que “Os Estados Unidos não têm como ensinar ninguém no mundo sobre democracia ou direitos humanos.”
Igualmente presente esteve a ideia de que a missão central era construir algo distinto, algo novo. No mesmo painel sobre solidariedade, a organizadora da Cúpula dos Povos e ativista Claudia dela Cruz disse sobre os Estados Unidos: “Eles são responsáveis por espalhar guerra e miséria. Nós devemos tomar a responsabilidade de elevar, promover e defender a vida. Pelo fato de o capitalismo e o imperialismo serem extração, suas propostas têm sido e sempre será a morte”.
“Nós todos concordamos, acho, que um outro mundo é possível. Mas temos que criá-lo.”, disse Dr. Abdulhadi.
As diferenças gritantes entre as duas cúpulas não poderiam ser mais claras para Mara Luna, uma consultora argentina especializada em emigração forçada. Luna participou da Cúpula das Américas, mas a deixou para ir à Cúpula dos Povos.
Luna disse ao Peoples Dispatch, ao mencionar a exclusão da Venezuela, Nicarágua e Cuba pela OEA, que “ao excluir estes governos, Biden ou a administração estão excluindo as pessoas que vivem nestes países. Portanto, como podemos encontrar soluções para questões transnacionais como migração forçada, mudança climática? Todos esses tópicos que estão sendo discutidos na cúpula são de natureza transnacional, não são questões nacionais. Elas não se limitam a fronteiras nacionais. Todos nós as compartilhamos, o que significa que precisamos também compartilhar as soluções. Não podemos encontrar soluções se três países são excluídos.
“Aqui [na Cúpula dos Povos] é onde podemos ter conversas reais que vão fazer as coisas andarem”, ela complementou. “E este é o motivo pelo qual a Cúpula dos Povos é tão importante, porque estas são discussões que nós precisamos ter se queremos mudança social de fato”.