Quando saírem os resultados das eleições em outubro, independentemente do resultado do pleito presidencial, o Congresso Nacional terá passado por mais uma etapa da sua reestruturação partidária. Um novo cenário político que exigirá jogo de cintura de qualquer presidente que vista a faixa presidencial em 1º de janeiro de 2023.
Especialistas projetam que, dos 23 partidos que atualmente compõem o Parlamento, apenas 11 devem dominar 90% dos assentos no próximo ciclo. Uma concentração política que, provavelmente, contará com 4 siglas de esquerda e centro-esquerda; 3 de extrema-direita; e 4 de centro-direita.
Assista ao vídeo:
Alguns fatores têm contribuído para esse reagrupamento. Um deles diz respeito às movimentadas janelas partidárias, na qual apenas nesta última edição, encerrada em 1º de abril, mais de 130 deputados federais mudaram de legenda. Somente o Partido Liberal (PL), que abriga o presidente e pré-candidato Jair Bolsonaro, somou 30 assentos às suas fileiras.
Entenda: Fim da janela: mais de 130 deputados trocam de partido, e Bolsonaro amplia domínio na Câmara
Também contribuiu para o enxugamento de partidos o surgimento das federações partidárias, uma maneira encontrada para que siglas menores pudessem se unir e sobreviver às cláusulas de barreiras. Neste ano, sete partidos se agruparam em três federações diferentes: uma composta por PT, PCdoB e PV e intitulada “Brasil da Esperança”, uma composta por PSDB e Cidadania e outra por PSOL e Rede.
Para o cientista social Francisco Fonseca, professor da FGV/Eaesp e da PUC-SP, a nova correlação de forças nesse cenário ainda é uma incógnita. “O cenário é de um número menor de partidos. Já houve um rearranjo nessa janela, mas essencialmente entre os conservadores. A oposição continua tendo 120 votos. Talvez o problema esteja em saber o tamanho das bancadas em um eventual governo do Lula”, pondera.
Contexto: Entenda o que são as novas federações partidárias, que começam a valer nestas eleições
Caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirme os prognósticos e seja eleito, o Partido dos Trabalhadores (PT) sabe que terá pela frente essa nova dinâmica. Assim como já precisou fazer no passado, mas sob novas condições, seu eventual futuro governo precisará negociar com as forças mais ao centro e à direita.
Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), a capacidade de diálogo de Lula pode permitir “uma governabilidade menos complexa” do que foi em outras ocasiões, apesar de uma provável oposição “sem critérios” por parte da extrema-direita.
“O governo poderá constituir uma maioria dialogando com um número bem menor de partidos do que tínhamos anteriormente. Quando tínhamos 30 partidos, eram 30 negociações. Se chegarmos a ter de 12 a 15, certamente negociar com 6 ou 7 pode nos dar a maioria para aprovação de leis ordinárias e de leis complementares, que exigem um quórum maior”, vislumbra o petista.
Regras eleitorais favorecem concentração partidária
A menor pluralidade de partidos é uma tendência relativamente recente, que vai em sentido oposto ao modelo que passou a vigorar após 2006, depois que o Superior Tribunal Federal (STF) interferiu nas regras do jogo. Na ocasião, a corte acatou argumentos dos partidos ditos nanicos, o que em nome da diversidade permitiu que se proliferassem e ganhassem poder de barganha no Congresso.
Desde a década de 90, o presidencialismo de coalizão atravessou governos, se transformou, mas sempre dependeu da negociação constante entre o Executivo e o Parlamento. Nesse período, alguns partidos tiveram papel de destaque como fiéis da balança, como o PMDB, atual MDB, e mais recentemente os partidos que fazem parte do Centrão.
Com a criação do orçamento secreto para aprovar emendas parlamentares, o governo de Jair Bolsonaro levou a barganha com o Legislativo a outro patamar, especialmente a partir de 2020. A aliança de proporções inéditas com o centrão se consolidou no ano seguinte com Arthur Lira na presidência da Câmara e de Ciro Nogueira na chefia da Casa Civil.
Saiba mais: O que é o orçamento secreto? Entenda o esquema usado por Bolsonaro e Lira no Congresso
Há quem também aponte possíveis efeitos colaterais à democracia com essa redução de representatividade, como a advogada Cláudia Bressan Brincas, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
“Até que ponto isso é saudável para o sistema democrático? Porque eu preciso criar o pluripartidarismo, onde eu possa permitir que tantas pessoas, minorias, possam participar de um pleito eleitoral. Quando eu crio regras, cláusula de barreiras, tudo isso vai dificultando a participação de mulheres, negros, que formam o elo mais frágil hoje”, argumenta.
Centro-direita se dispersa e tucanos põem as barbas de molho
Enquanto alguns partidos possuem uma fatia maior do vultoso fundo eleitoral de até R$ 5,7 bilhões, como o União Brasil, muitas outras legendas - algumas delas até tradicionais - correm o risco de minguar.
Chama atenção o caso do PSDB, que além de anunciar a desistência da candidatura presidencial de João Doria no dia 23 de maio, também precisa lutar contra um encolhimento acelerado neste século.
Os tucanos chegaram a ocupar 99 cadeiras na Câmara dos Deputados em 1998. Em 2018, duas décadas depois, esse número já havia caído para 29, e atualmente corresponde a apenas 21. Fonseca lembra que também “faltam convicções” e sobram “rachas” entre os caciques da legenda desde a ascensão de Bolsonaro.
Nem mesmo o anúncio da fusão com o pequeno Cidadania deve alterar o dramático roteiro, que coincide com a adesão de quadros da centro-direita ao bolsonarismo e o reagrupamento em torno de outras forças com melhores condições. É o que avalia o cientista político, que acrescenta a disputa por fatias dos recursos públicos.
“Nunca houve tanto dinheiro. É por isso que haverá a chamada terceira via. A Simone Tebet não vem para ganhar a eleição, e não vai ganhar. Ela vem para ganhar bancada, porque tem muito dinheiro, e se conseguir 10% ou 20% dos votos já é um grande estímulo para os seus correligionários”, avalia Fonseca.
Edição: Rodrigo Durão Coelho