Você já reparou como o poder de compra dos brasileiros diminuiu nos últimos anos? Ir ao supermercado nunca foi tão caro. Mesmo procurando pelo melhor preço, o gasto na compra de alimentos aumentou e a quantidade de produtos diminuiu.
Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em abril deste ano, após o desconto de 7,5% da Previdência Social, um trabalhador assalariado que recebe um salário mínimo, ou seja R$ 1.212,00, comprometeu 71,71% da sua remuneração para adquirir os itens da cesta básica*.
O Brasil de Fato foi ao supermercado para comprovar que o poder de compra da população diminuiu. A equipe visitou uma grande rede de supermercados na zona sul do município de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, para apurar o que é possível comprar de itens básicos com R$ 100.
O resultado final foi um carrinho com apenas 1 litro de óleo, 5 kg de arroz, 3 kg de feijão, 2 pacotes de macarrão, 1 kg de sal, 600g de molho de tomate,1 litro de leite, 500g de fubá, 1kg de farinha de trigo e 2 litros de água sanitária. O carrinho esvaziado não é de longe o necessário para consumo de um mês, com base nos itens da cesta básica.
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Para efeito de comparação, a reportagem montou uma cesta básica composta por 4 litros de leite, 1 lata de leite em pó, 2 litros de óleo, 10 kg de arroz, 3 kg de feijão, 2 kg de frango, 1 kg de açúcar, 1 kg de sal, 3 pacotes de macarrão, 600g de molho de tomate, 1 kg de fubá, 500g de farinha de mandioca, 1kg de farinha de trigo, 500g de café, 2 pacotes pão de forma, 1kg de margarina e itens básicos de higiene como um pacote com 16 rolos de papel higiênico, 2 litros água sanitária, 500 ml de desinfetante e 500 ml de detergente. O valor final da compra composta por produtos básicos foi de R$ 321,90.
O total da cesta básica completa montada pela reportagem corresponde a mais de três vezes o valor de R$ 100 da primeira cesta esvaziada.
Escolhas políticas
De acordo com o economista e supervisor técnico do Dieese no Rio de Janeiro, Paulo Jager, a alta dos preços dos alimentos ocorre em um contexto internacional desde 2020 com a pandemia e foi agravada com a guerra na Ucrânia, porém a situação brasileira atingiu níveis graves por escolhas políticas do governo federal.
“O governo federal foi reduzindo o apoio à agricultura família, desde o golpe de estado, em termo de crédito, de compras da produção para escolas e creches; deixou que a taxa de câmbio desvalorizasse a um nível muito elevado e isso incentivou os produtores nacionais a buscarem vender no mercado internacional porque aumentava a renda deles em reais”, detalha Jager que ainda aponta o problema enfrentado pela falta dos estoques reguladores.
“O governo vem eliminando os chamados estoques reguladores, uma política de garantia de preços mínimos que implicava em adquirir produtos dos produtores quando o preço estivesse muito deprimido. Esses produtos eram estocados em armazéns do governo federal e no momento de alta [dos preços], o governo fazia o movimento contrário, vendia parte desses estoques para evitar que os preços ficassem altos e prejudicassem as famílias. O governo zerou esses estoques e ficou impossibilitado de regular os preços”.
Retrato da Crise
Com a alta da inflação e da taxa de juros. A categoria de alimentos e bebidas foi uma das que sofreu maior impacto para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) em maio. O custo de se alimentar já acumula 16% a mais somados aos 12 meses anteriores.
Enquanto uns se desdobram fazendo substituição de alimentos e até deixam de comprar alguns produtos para garantir o essencial, outros não estão conseguindo assegurar o básico dentro de casa. É o caso de Wilson Silva.
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Desempregado, o jovem de 22 anos vende balas na rua para sustentar a família composta por um bebê de um ano e sua esposa. Wilson viveu nas ruas desde os 14 anos e apenas há seis meses conseguiu alugar uma casa numa favela da cidade de Niterói.
À reportagem, o vendedor contou que fica na porta do supermercado para conseguir alimentos para levar para casa, pois o que ganha com o trabalho não é suficiente.
“Vivo eu e minha luta. É difícil falar. Eu faço por dia uns R$ 70, R$ 80, quando ‘tá’ bom faço até R$ 100, mas vou juntando o dinheiro do aluguel, meu aluguel é 450 reais, por isso que não dá para multiplicar. A minha esposa tá desempregada. E fica em casa cuidando do bebê”, conta.
De acordo com Jager, as famílias mais pobres são as mais impactadas pela alta dos preços alimentícios, pois destinam a maior parte do seu orçamento para se alimentar.
"A alta de preço desses produtos acima da inflação, penaliza mais as famílias com menor renda. Pesa principalmente para o orçamento das famílias mais pobres, porque, para elas, o aumento do arroz, óleo de soja, feijão, café, açúcar, no nível que ocorreu, significa acabar com a renda da família e não sobrar dinheiro para mais nada”, ressalta.
*O Dieese se baseia nos itens básicos definidos pelo Decreto Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, que regulamentou o salário mínimo no Brasil e está vigente até os dias atuais. O Decreto determinou que a cesta de alimentos fosse composta por 13 produtos alimentícios em quantidades suficientes para garantir, durante um mês, o sustento e bem-estar de um trabalhador em idade adulta.
Edição: Mariana Pitasse