Coluna

O bem de família: projeto do Governo quer retirar mais um direito

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A Câmara dos Deputados aprovou, por 260 votos a 111, o projeto do governo Bolsonaro que permite que o único bem de família seja confiscado em caso de dívida - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
O direito à moradia é considerado um direito humano fundamental desde 1948

Com o discurso trapaceiro do ministro da Economia, Paulo Guedes, de supostamente facilitar o acesso ao crédito, a Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (1/6), por 260 votos a 111, o projeto do governo Bolsonaro que permite que o único bem de família seja confiscado em caso de dívida.

Atualmente, o imóvel residencial próprio da entidade familiar é impenhorável e inalienável enquanto forem vivos os parceiros e até que os filhos completem a maioridade, salvo as exceções, como a execução de hipoteca sobre o próprio imóvel oferecido como garantia real.

Por extrema ironia chamado de Novo Marco das Garantias, o texto, na verdade, afeta o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que garante ao indivíduo o seu mínimo existencial, já que o instituto do bem de família entrelaça-se com o direito de moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, referente aos direitos sociais.

A impenhorabilidade é um mecanismo que visa a assegurar um patrimônio mínimo ao devedor, que não pode ser atingido por dívida. A inclusão do bem de família busca proteger o imóvel residencial da unidade familiar, nos termos das formas e condições previstas na legislação, que condiz com o disposto no artigo 226, da Constituição Federal: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, que por seu turno também se relaciona com o direito à moradia, reconhecido como um direito social no art. 6º.

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Por derradeiro e igualmente importante, no art. 23, IX, a Constituição determina ser dever da União, dos Estados e dos municípios: “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

O direito à moradia é considerado um direito humano fundamental desde 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e incluído no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado em 1996, ambos assinados pelo Brasil.

O arco de proteção constitucional, ancorado na legislação internacional, tem esteio na dignidade da pessoa humana como preceito ético, que exige do Estado não só respeito e proteção, mas garantia de efetivação dos direitos dela decorrentes. Toda pessoa é sujeito de direitos e deveres e como tal deve ser tratada. Quando, do ponto de vista jurídico, falamos de um “mínimo existencial” estamos tratando da preservação e garantia das condições e exigências mínimas de uma vida digna.

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Temos no Brasil um grande contingente de pessoas em situação de rua, sem moradia, que tem se agravado com a crise econômica dos últimos anos. A mesma conjuntura que será intensificada com a execução do único imóvel familiar por dívidas, ampliadas em maioria não por consumo do devedor, mas pela desastrosa política econômica, voltada a empresários e banqueiros – proprietários de vários imóveis e salvos da nova norma - que conduz trabalhadores a endividamentos.

Cabe ao Senado Federal, como casa revisora e em nome do mínimo existencial, dizer não a esse projeto.

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É integrante do Grupo Candango de Criminologia da UNB (GCcrim/UNB) e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Confira outros artigos aqui.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Glauco Faria