Coluna

A noite foi longa

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Talvez a preocupação de Bolsonaro seja mesmo estar em evidência, o que se confirma pela ampliação dos gastos do governo com publicidade. - Alan Santos/PR
A cada semana, Bolsonaro nos faz pensar qual o limite entre a racionalidade e a loucura na política

Olá, por quatro anos, Paulo Guedes sonhou com privatizações e Bolsonaro com armas, enquanto a população tem pesadelos com a inflação e sonha com Lula.

.Acorda Paulinho. Enquanto fala-se do risco de faltar diesel no país, e os caminhoneiros fazem fila para abastecer na Argentina, o governo insiste na ideia de privatizar a Petrobras. Pior, integrantes da empresa avaliam que Bolsonaro pode simplesmente cruzar os braços frente à crise só para jogar a culpa na estatal e acelerar a venda. E se o projeto de Arthur Lira e Paulo Guedes de vender as ações do BNDES e do BNDESPar for adiante, a privatização da Petrobras poderá ocorrer antes mesmo das eleições. Este é o mesmo roteiro que vem sendo seguido na venda da Eletrobras, que deve entregar por R$30 bilhões para a iniciativa privada uma empresa que vale cerca de R$400 bilhões. Para completar o quadro, em nome do teto de gastos, Bolsonaro bloqueou cerca de R$8 bilhões do orçamento dos ministérios, prejudicando mais uma vez o funcionamento das universidades e institutos federais. Em tese, o valor seria destinado ao reajuste de 5% prometido por Paulo Guedes aos servidores públicos, mas nada está garantido já que o valor arrecadado não cobre a despesa. Enquanto isso, os aliados do governo no Congresso triplicam o tamanho do orçamento secreto, garantindo a fidelidade dos currais eleitorais do centrão. Tudo isso num cenário econômico tenebroso, com uma inflação que não cede apesar do remédio amargo de juros elevados do Banco Central e que deve ser impulsionada pela elevação recorde no preço dos planos de saúde. É por essas e outras que parte do núcleo político do governo anda preocupado com o novo surto liberalizante do ministro Paulo Guedes. Temem que ele acabe jogando o eleitorado no colo de Lula. Não é por menos, já que cerca de 53% dos brasileiros acham que a vida piorou e que isto pode influenciar a definição do seu voto. Mas é claro que a notícia de crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre e de queda do desemprego fará Guedes gabar-se da sua recuperação em “V”, ignorando que o PIB na indústria e no agronegócio estão estagnados e que os novos postos de trabalho são majoritariamente no mercado informal, com queda da renda média.

.Hoje não tem chocolate. A cada semana, Bolsonaro nos faz pensar qual é o limite entre a racionalidade e a loucura na política. Quando o jogo está sendo perdido, vale a pena prosseguir no erro? A mais recente pesquisa DataFolha mostra que não, pois o capitão aparece 21 pontos atrás de Lula em intenções de votos. A mesma pesquisa mostra também que 70% da população discorda da ideia de que “povo armado não será escravizado", afastando-se de seus temas preferidos. Mesmo assim, Bolsonaro fez questão de insultar a vítima e elogiar assassinos fardados no caso Genivaldo, distanciando-se da maioria da população. Ele também adora posar de playboy de terceira idade não afeito ao trabalho. Talvez sua preocupação seja mesmo estar em evidência, o que se confirma pela ampliação dos gastos do governo com publicidade. Ou talvez o erro seja querer encontrar muita coerência na sua forma de fazer política. Sinal disso, é que Bolsonaro comemorou ao mesmo tempo o aumento de 1% nas suas intenções de voto e a redução de 9% da confiança nas urnas. Ou seja, quer ganhar o jogo, mas sem seguir as regras. Acontece, que o perfil de eleitor que o discurso bolsonarista atrai é restrito: majoritariamente homens, mais ricos, brancos, velhos e escolarizados que a média, que desconfiam das urnas, defendem o uso de armas e não são muito favoráveis a vacinas. Por isso, Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, prevê que Bolsonaro terá que mudar de estratégia caso queira vencer dentro das regras e não no tapetão. Isso poderia ser feito com dois movimentos nos próximos meses. O primeiro seria o governo apostar numa política econômica heterodoxa, intervindo efetivamente nos preços dos combustíveis e dos alimentos. Algo que parece distante da realidade. O mais provável mesmo é que ele aposte no segundo caminho: tirar o foco da economia e fortalecer a agenda de “costumes”.

.Hoje tem campeonato. Se o mês de maio começou com a direção petista preocupada com as declarações de Lula sobre aborto e a reforma trabalhista, ele não podia terminar melhor. As pesquisas Datafolha e BTG Pactual apresentaram um cenário de vitória no primeiro turno, além da possibilidade de que metade dos eleitores de Ciro Gomes possam mudar o voto até outubro. Segundo o agregador de pesquisas do Estadão, além de liderar em 16 estados, Lula passou à frente no Rio de Janeiro, estado que estava indefinido, e está crescendo nos redutos bolsonaristas do Paraná e Rio Grande do Sul. Basicamente, dois fatores explicam o sucesso de Lula: o desastre econômico e o simples fato de “não ser o Bolsonaro”. Justamente, os dois motes em que a campanha petista vai centrar fogo daqui pra frente. O cenário também fortalece a tese de que “Lula deve jogar parado”, deixando que as ações do próprio Bolsonaro façam campanha para o petista. Mas, Lula, ao contrário, tem se sentido muito à vontade para falar o que quer, independente dos humores da Faria Lima. Tanto que em um encontro com os movimentos populares e no lançamento do livro sobre as cartas que recebeu na prisão, Lula bateu nos banqueiros. Precisando de um microscópio para enxergar a terceira via, tudo o que a Faria Lima quer agora - e pressiona pela mídia - é que o petista sinalize à direita no programa econômico e numa prévia de um futuro ministro da Economia. Mas, do alto dos quarenta por cento de intenções de voto, Lula mandou dizer que vai procurar o mercado quando quiser e quem decide sobre a economia é ele.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Agenda do governo Biden para a América Central e a reestruturação da hegemonia dos EUA. Veja como a reformulação da política migratória dos Estados Unidos aponta para uma nova estratégia para a região. No Diplomatique Brasil.

.“Política habitacional e de drenagem urbana não se faz de um dia pro outro”, diz urbanista. Na Pública, Roberto Andrés, professor da UFMG, fala sobre a intersecção entre desigualdade social, mudanças climáticas, modelo urbano e catástrofes ambientais como a de Recife.

.O veneno mora ao lado. O podcast de Giovanna Nader discute, em vários episódios, o papel dos agrotóxicos para manutenção do latifúndio e do agronegócio e suas diversas consequências para a sociedade.

.Bolsonaristas usam escolas paramilitares para doutrinar crianças. Veja como supostos cursos preparatórios para ingressar na carreira militar que pipocam pelo país acobertam aparelhos ideológicos voltados para crianças e adolescentes. 

.'Era uma aula descontraída', diz policial sobre curso em que descreve uso de spray de pimenta contra detido em camburão. Na BBC, veja a aula de tortura com risos e a tentativa de explicar o inexplicável.

.Guilhotina #166 – Rodrigo Lentz. Uma conversa com o autor do livro “República de segurança nacional: militares e política no Brasil”, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pela Editora Expressão Popular.

Volks enfrenta novo processo ligado à ditadura no Brasil. A mídia alemã apresenta novas denúncias contra a Volks, acusada de trabalho escravo no Brasil entre 1970 e 1980. Na agência DW. 

.Podcast: CPI dos sertanejos? Os shows inflacionados nas prefeituras. Entenda o recente escândalo envolvendo desvio de recursos públicos para financiar o agrobusiness da música. No Estadão.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Glauco Faria