A chacina na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e a morte de um homem dentro de uma viatura transformada em câmara de gás, no litoral de Sergipe, marcaram a semana. Os dois casos chamaram a atenção pelo protagonismo de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Não é a primeira vez que a corporação está envolvida em operações que terminam com um elevado número de mortes. Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), a PRF atuou em parceria com polícias militares em pelo menos três chacinas.
Além da parceria desta semana na ação com o Batalhão de Operações Especiais (Bope), deflagrada na VIla Cruzeiro – que já chegou a 25 mortes confirmadas –, agentes da PRF estiveram ao lado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, na mesma região.
A operação deixou pelo menos oito mortos, no complexo da Penha. Na ocasião, a PM afirmou que os agentes estavam cumprindo mandados de prisão contra uma quadrilha de roubo de cargas. A operação visava prender Adriano Souza Freitas, conhecido como Chico Bento, suposto chefe do Comando Vermelho.
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Em outubro do ano passado, pelo menos 25 pessoas foram mortas em uma ação conjunta da PRF com a PM de Minas Gerais, em Varginha, no sul do estado. De acordo com a PRF, a ação combatia o chamado "novo cangaço". Em nota, a corporação disse que os bandidos teriam atacado os policiais.
A ação ocorreu em duas chácaras. Segundo a PRF, no primeiro confronto, 18 criminosos foram mortos. Nesta ação, 10 fuzis foram recuperados, além de outras armas, munições, granadas e coletes a prova de balas.
Outra parte da quadrilha estava numa segunda chácara. Em novo confronto, mais sete criminosos foram mortos e mais armas recuperadas e grande quantidade de explosivos. Também foram encontrados 10 veículos roubados. Nenhum policial ficou ferido.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a cientista política, antropóloga e especialista em Segurança Pública Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que, no país, não há limites claros sobre onde começa e termina a competência de cada força de segurança.
"Quando há uma pergunta sobre a competência, não é só a Polícia Rodoviária Federal. Nenhuma organização de força, e são mais de 10 mil no Brasil, passa nesse teste".
Muniz alerta que, apesar do nome, a atuação da PRF não se restringe às estradas. O próprio site da instituição destaca que "a PRF tem sob sua responsabilidade a segurança viária e a prevenção e repressão qualificada ao crime em mais de 75 mil quilômetros de rodovias e estradas federais em todos os estados brasileiros e nas áreas de interesse da União".
"Quando você não tem definição de competências partilhadas, exclusivas e redundantes [entre as polícias], você não tem como definir missão, não tem como definir padrão tático de atuação, não tem como validar logística ou armamento usado por qualquer polícia, e muito menos procedimentos. Vira uma 'bateção de cabeça'", aponta a pesquisadora.
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Em todos os casos, houve participação do Núcleo de Operações Especiais (NOE), grupos de elite da corporação, sediado em cada unidade regional ou superintendência da PRF.
O NOE tem o objetivo de "planejar, coordenar e executar operações de enfrentamento aos crimes de roubo e furto de veículos e cargas, tráfico de substâncias entorpecentes e de armas, munições e produtos controlados, contrabando, descaminho, falsificação de produtos, adulteração de combustíveis".
Laços com o Bope e "agrados" do presidente
O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, tem apostado no aprofundamento dos laços com esquadrões de elite de polícias militares. Pouco mais de três meses antes da operação desta semana, ele esteve reunido com o comandante do Bope, no Rio de Janeiro.
Em publicação em sua conta no Instagram, Vasques anunciou uma parceria com o batalhão, conhecido pela letalidade das operações: "Criamos um grupo de trabalho para ações operacionais, de inteligência, de ensino e projetos estratégicos entre a @prfoficial e o @bope.oficial".
"Estive reunido com o Comandante e seus oficiais do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Diretores e gestores da PRF da área de Operações e Ensino estiveram presentes", escreveu.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto autorizando o início do Curso de Formação Profissional para 625 excedentes do último concurso PRF. O anúncio foi feito em vídeo divulgado nas redes sociais, em que Jair Bolsonaro aparece ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres.
Segundo eles, a intenção é convocar todos os candidatos aprovados no último concurso da Polícia Rodoviária Federal. De acordo com o presidente, pode ser que a Polícia Rodoviária Federal tenha, com as novas convocações que virão, "o maior efetivo da sua história".
Na semana passada, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo apontou que o presidente recuou da ideia de conceder um reajuste maior para todas as carreiras de segurança pública. A ideia seria garantir a reestruturação da carreira apenas para a PRF.
O aumento aos agentes rodoviários é estimado em cerca de 20%. As outras polícias, como a PF, teriam o aumento de 5%, como já decidido em abril, da mesma forma que será para as demais categorias de servidores públicos.
Outra sinalização à PRF foi a escolha do ex-diretor geral da corporaçnao Eduardo Aggio para cargo no Palácio do Planalto, como sub-chefe de Análise Governamental (SAG) da Casa Civil da Presidência da República.
Nas redes sociais, Aggio e Vasques exibem proximidade com a família presidencial. Atual chefe da corporação, Vasques publicou recentemente uma foto ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), vestido com o boné da PRF.
Câmara de gás em Sergipe
Os moradores da cidade de Umbaúba, no litoral sul de Sergipe, flagraram uma abordagem policial que resultou em morte, nesta quarta-feira (25). Um homem foi morto depois de ser preso por dois policiais rodoviários federais dentro de uma “câmara de gás” montada no porta-malas da viatura da PRF.
O homem morto pelos policiais rodoviários federais foi identificado como Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, pelo portal G1. O sobrinho da vítima, Wallyson de Jesus, presenciou a situação e afirmou que o tio tinha um transtorno mental.
“Eles pediram para que ele levantasse as mãos e encontraram no bolso dele cartelas de medicamentos. Meu tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito. Eu pedi que ele se acalmasse e que me ouvisse”, relatou Wallyson.
Nas imagens gravadas pela população, é possível ver Genivaldo ser rendido por dois policiais. Ele está no chão e depois é colocado no porta-malas da viatura.
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Enquanto um dos policiais segura a tampa do porta-malas para assegurar que ela continue fechada, o outro joga, dentro do espaço fechado, grande quantidade de gás. Quando o compartimento é aberto de novo, o homem já não se mexe mais.
Holocausto
Durante o Holocausto, câmaras de gás foram projetadas como parte da política nazista de genocídio contra judeus. Os nazistas também tinham como alvo ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, intelectuais e do clero. A estratégia foi usada para matar milhões de pessoas entre 1941 e 1945.
Outro lado
Em nota, a PRF afirmou que o homem teria “resistido ativamente” à abordagem. Os agentes, então, teriam utilizado “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” para conter a agressividade da vítima, que passou mal no caminho para a delegacia, segundo a corporação.
Leia a íntegra da nota da PRF:
“Na data de hoje, 25 de maio de 2022, durante ação policial na BR-101, em Umbaúba-SE, um homem de 38 anos resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe PRF. Em razão da sua agressividade, foram empregados técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba.
Durante o deslocamento, o abordado veio a passar mal e socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde posteriormente foi atendido e constatado o óbito.
A equipe registrou a ocorrência na Polícia Judiciária, que irá apurar o caso. A Polícia Rodoviária Federal em Sergipe lamenta o ocorrido e informa que foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos”.
*Com a colaboração de Felipe Mendes
Edição: Rodrigo Durão Coelho e Felipe Mendes