Projeto contra as chamadas “intervenções hostis” ou “arquitetura hostil” aos moradores de rua, na pauta da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), pode ter efeito pedagógico e é um passo civilizatório, acredita o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua, em uma cidade governada “pela especulação imobiliária”. Ele dá nome ao PL 726, aprovado no início do mês na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Casa, contra os diversos obstáculos erguidos nas cidades contra a população em situação de rua.
“População em situação de rua não é causa, é sintoma”, afirmou o padre, durante ato solene realizado na noite de ontem (23) na Assembleia. Para ele, nas áreas urbanas tem prevalecido o que ele chamou de “lógica de descarte”, situação que para ser alterada exigirá tempo e mudança de cultura. “Não é só déficit (habitacional). É ausência completa de respeito à moradia”, afirmou o padre Júlio, para quem é palpável “a repulsa, o nojo, a hostilidade” em relação aos cidadãos e cidadãs que moram na rua. “Tem uma palavra chave em tudo isso. Temos que ser capazes de conviver com todos. Temos que desconstruir a aporofobia que está dentro de nós.” O termo, que designa aversão aos pobres, tornou-se mais conhecido após o padre quebrar pedras instaladas pela prefeitura sob um viaduto na zona leste, no ano passado.
Observatório de Aporofobia
Para ele, é preciso construir uma aliança de apoios para que o projeto não seja apenas aprovado na Assembleia, mas sancionado pelo governador e obedecido. Padre Júlio lembrou que, anos atrás, a prefeitura paulistana já chegou a vetar um projeto nesse sentido. O PL 726, dos deputados Paulo Fiorilo (PT) e Patrícia Bezerra (PSDB), tem inspiração no PL 488/2021, do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que agora está em tramitação na Câmara.
A chamada locação social é uma figura jurídica existente em São Paulo, lembra o padre Júlio, citando os vários imóveis disponíveis na cidade. “Nós sabemos que em São Paulo tem mais casa sem gente do que gente sem casa.” Segundo ele, está para ser lançado o Observatório de Aporobia, que terá o nome de dom Pedro Casaldáliga. Padre Júlio se indigna com a indiferença com a pessoa em situação de rua: “Ninguém pergunta o nome, ninguém pergunta como ele está (…) Vaga é para carro. A pessoa precisa de um lugar para morar”.
Para o urbanista Nabil Bonduki, a dita “arquitetura hostil” ou “defensiva”, com pinos, espetos, pedras e outras modalidades, está “cada vez mais presente na cidade contemporânea neoliberal”. Assim, a pobreza cresce no mesmo ritmo da discriminação. “É uma forma de afastar os seres humanos considerados indesejáveis na atual ordem urbana. (Uma forma) econômica, cruel e silenciosa de mandar a distância os que não são bem vindos.” Com isso, em São Paulo e outras cidades prevalece uma lógica de mercantilização do espaço público, que só considera cidadão quem trabalha ou consome.
Agora, o PL 726 está em análise na Comissão de Direitos da Pessoa Humana da Assembleia. A bancada do PT fez um pedido para que a proposta tramite em regime de urgência. “Esse projeto é prioridade absoluta do nosso mandato” afirma Fiorilo. “Precisamos romper com a lógica da hostilidade e voltarmos a criar laços de solidariedade em nossa sociedade, acolher os que mais necessitam para humanizar a vida.”