A obra revela a percepção de que o sertão e seu povo tenha vez, ainda está inacabada
“O sertão é dentro da gente e esse sertão não é feito só de aridez e provocação, mas também de veredas, de estações de alívio e beleza em meio a solidão”
Seguindo pelos vales dos rios Urucuia e Carinhanha, a pé, por mais de 180 quilômetros durante sete dias amantes da literatura e da natureza do cerrado mergulham no universo de Guimarães Rosa. A imersão no sertão do escritor acontece no norte e noroeste de Minas Gerais, por meio da obra, mas também da cultura descrita nos livros do autor.
Quem promove essa experiência literária e cultural nos saberes de povos tradicionais desta região é O Caminho do Sertão. Michael Douglas é voluntário do Instituto Rosáceas, entidade organizadora do projeto.
“A principal importância é que a obra de Guimarães Rosa é o principal patrimônio imaterial da vasta região conhecida como sertão mineiro, como tal, se bem trabalhado, pode impactar positivamente no fortalecimento da identidade do território e ainda pode promover a melhoria da autoestima do povo sertanejo, ao se perceber retratado com maestria numa obra literária que, literalmente, levou o sertão ao mundo. No caso particular do Caminho do Sertão a obra fundamenta, ilustra e promove o turismo de base comunitária”.
O escritor João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho de 1908. Além de ser escritor, também cursou Medicina. Seu primeiro livro de contos é Sagarana, de 1946, e seu único romance, Grande sertão: veredas, foi publicado em 1956. O escritor foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 1963, e morreu em 1967.
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É um autor conhecido pela sua genialidade na invenção de palavras, os chamados neologismos, com estruturas narrativas não tradicionais, pela linguagem poética, e regionalismo atrelado a temas universais.
“A obra de João Guimarães Rosa deu voz aos desvalidos do sertão, ao sertanejo, aos idosos, aos doentes, aos loucos, à mulher, aos bandidos, aos bêbados, à criança, aos animais e mesmo aos elementos da natureza. A obra revela a percepção de que a tarefa para que o sertão e seu povo tenha voz e tenha vez, ainda está inacabada, e neste momento de expansão do agro e do hidronegócio, da insegurança hídrica, da violência crescente no campo brasileiro, da evasão da juventude e do envelhecimento da população rural, do aquecimento global e das mudanças climáticas, esta tarefa ganha novas e urgentes dimensões”.
Segundo Michael, a rota socioecoliterária do Caminho do Sertão surge a partir de ações de desenvolvimento regional gestadas no início do ano de 2000, a partir de uma necessidade de geração de renda e empregos para as comunidades da região.
A rota parte da Vila de Sagarana, que surge como a agrovila do primeiro dos inúmeros assentamentos de reforma agrária implantados pela Incra na região, localizada na cidade de Arinos (MG), onde também está localizado o Parque Estadual de Sagarana e termina no Parque Nacional Grande Sertão: Veredas em Chapada Gaúcha (MG).
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O participante pode fazer parte deste caminho que foi realizado pelo personagem central do livro Grande Sertão Veredas, além de conhecer a cultura dos sertanejos de Minas. “Durante essa rota de 186 quilômetros os caminhantes fazem uma parte do percurso que o Riobaldo e seu bando de jagunços percorrem em busca do Liso do Sussuarão suposto deserto criado pelo autor nas chapadas da região e têm contato com comunidades tradicionais e quilombolas, vilas, áreas de assentamento da reforma agrárias, áreas de posseiros e do agronegócio, durante 7 dias vivem um pouco dos saberes e fazeres do sertão mineiro.
O Caminho do Sertão ocorre uma vez ao ano, em 2022 será entre os dias 9 e 17 de julho. Os caminhantes são selecionados por meio de um edital, durante esse processo conhecerão o candidato de forma profunda e compreenderão as relações afetivas que foram e poderão ser desenvolvidas com a obra de Guimarães Rosa e o território.
Esse processo é feito em duas etapas, em que na primeira é respondido um formulário e a segunda etapa é a leitura das Cartas de Intenções de Afeto, é uma carta escrita a próprio punho pelo interessado e nos enviado via correios. Após um denso processo de leitura das cartas e do formulário a equipe organizadora seleciona os candidatos para a edição anual.
"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura". Guimarães Rosa
Edição: Douglas Matos