A temporada de frio intenso chegou para ficar em diversas regiões do Brasil e em São Paulo já tivemos as mais baixas temperaturas dos últimos tempos. Segundo os meteorologistas, terá mais frio e torna-se inevitável não pensar nas pessoas em situação de rua.
Pousei em São Paulo, na volta das agendas parlamentares em Brasília, e conforme ia andando até a saída do aeroporto sentia o vento frio batendo no meu rosto. Estava, como quase sempre nesses últimos 10 meses, com o pequeno Hugo no colo e, juntos, sentíamos os efeitos daquele frio imenso.
À medida que esquentávamos um ao outro, fui pensando nas centenas de mulheres que vivem em situação de rua em São Paulo e em todo o Brasil. Ainda que numericamente não sejam maioria entre aqueles que vivem nessas condições, não posso deixar de refletir sobre elas e sobre sua condição de vítimas do frio quando estão nas ruas. São as mulheres negras e pobres, mais uma vez, as mais vulneráveis física e emocionalmente nesse período de baixas temperaturas, pois geralmente elas estão ali, na rua, por conta de violências que sofreram anteriormente e por negligência do Estado. São as mulheres as principais responsáveis pela alimentação e cuidados com as crianças e idosos; são as mulheres, mesmo as mulheres em situação de vulnerabilidade social, as responsáveis por prover melhorias e acolhimentos para seus familiares.
::Temperatura despenca em SP, população em situação de rua é imensa e doações estão mais escassas::
As mulheres são o principal alvo de ataques de Bolsonaro antes mesmo de ele assumir a presidência. São essas mesmas mulheres que tiveram suas jornadas quadruplicadas na pandemia, uma vez que, para além do trabalho fora de casa (quando os tinham), se intensificaram as responsabilidades sobre os problemas da casa e da família, em jornadas não remuneradas ou reconhecidas, diante do isolamento social e do aprofundamento da crise. Por isso, em 2020, foi tão importante a aprovação do duplo auxílio emergencial às chefes de família, proposto por mim e pela bancada do PSOL.
No último dia 17, às vésperas da chegada dessa onda recorde de frio, famílias inteiras foram despejadas de uma ocupação no centro de São Paulo, em um prédio na Augusta, recortes de uma política higienista do prefeito Ricardo Nunes. A maior parte dos ocupantes era de mulheres e crianças e são, mais uma vez, diretamente atingidas pela crueldade dos governantes de São Paulo.
Em março deste ano, enquanto líder da Bancada do PSOL, juntamente com outros deputados federais, o MTST, o MST e a Campanha Despejo Zero, garantimos junto ao STF a prorrogação do prazo de proibição de despejos no Brasil, por entender que a crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 e o descaso do Governo Federal jogam milhares de pessoas à própria sorte.
Os índices de desemprego são alarmantes e a inflação alta afeta, sobretudo, o preço dos alimentos e demais itens básicos, portanto, disse ao ministro Roberto Barroso que a retirada do teto das pessoas é eliminar qualquer condição de sobrevivência, ainda mais durante essa onda de frio intenso espalhada pelo Brasil. O Supremo, por maioria, decidiu que os despejos continuam suspensos até junho deste ano.
Falta comprometimento do Estado. Falta empatia. Sobra ódio aos pobres.
Acompanhamos de perto o trabalho humanitário do Padre Júlio Lancellotti, que acolhe pessoas em situação de rua, protegendo-as do frio, oferecendo a elas alimentação e um lugar para descansar da imensa luta que enfrentam diariamente.
É preciso lembrar também dos idosos, dos jovens e mesmo das pessoas em idade própria ao trabalho, mas completamente impossibilitadas de encontrá-lo. Homens e mulheres em situação de total desalento, retratos da desigualdade social que caracteriza o capitalismo e ainda mais o capitalismo brasileiro. O frio é cruel com toda a população em situação de rua. Essas pessoas correm riscos como: hipotermia, queda da umidade relativa do ar, doenças de pele e possibilidade de doenças do aparelho respiratório.
É urgente que o Poder Público tenha um plano de acolhimento de todas as pessoas que estão em situação de rua em São Paulo e que tenha uma atenção especial para as mulheres e seus filhos. As pessoas em situação de rua não podem ser vistas como um empecilho para o governo de São Paulo. Elas merecem respeito, acolhimento e atenção especial do Estado, pois são vítimas dessa sociedade desigual e pouco fraterna que vivenciamos diariamente.
Mas outro futuro é possível. Um futuro em que nós sejamos livres das mazelas impostas pela desigualdade social, pelo machismo e racismo estruturais. Outro futuro onde não tenhamos de nos preocupar com o vento batendo no rosto dos nossos filhos, porque estarão seguros. Outro futuro em que os direitos básicos como moradia, alimentação, emprego e saúde já não serão uma preocupação, pois todas e todos terão sua casa própria, sua dignidade e seus direitos respeitados.
*Sâmia Bomfim é deputada federal pelo Psol de São Paulo
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Glauco Faria