País pode ser líder mundial, mas enquanto setor é explorado por europeias, Petrobras fica de fora
*Bruno Castro Dias da Fonseca, Leonardo Poletto Di Giovanni, Isabela Temístocles e Giovana Claro
Ao longo dos séculos, países europeus se interessaram nas terras brasileiras pela busca de produtos para contribuir com o seu desenvolvimento. Começando pelo pau-brasil, ouro, cacau, café e borracha, entre outros e a essa lista se junta agora uma novidade: o hidrogênio verde. Mas o que seria isso?
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante do universo, mas não existe de forma isolada na natureza. Sua obtenção é feita, principalmente, com a eletrólise da água, e a procedência da energia necessária para esse processo é o que determina seu impacto ambiental. Assim, apesar de ser incolor, o hidrogênio possui diferentes nomeações, a depender da fonte energética utilizada em sua eletrólise: hidrogênio preto (produzido a partir do carvão mineral), cinza (produzido a partir do gás natural sem captação de gases do efeito estufa), rosa (produzido a partir de energia nuclear) e o hidrogênio verde - produzido sem emissão de carbono na atmosfera, a partir de fontes renováveis de energia.
A União Europeia consome muita energia e produz pouco. Além disso, tem metas para aumentar a participação das energias renováveis, que hoje representam cerca de 20% do total. Juntou-se a isso o impacto irreversível da guerra na Ucrânia: a procura de maior ou total independência das importações de petróleo, gás e carvão da Rússia. Com isso, a União Europeia está desesperadamente procurando alternativas. Na semana passada, o bloco publicou um plano de 195 bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão), chamado RePowerEU, que coloca o hidrogênio verde entre suas prioridades. A meta é produzir internamente 10 milhões de toneladas e importar outros 10 milhões.
O hidrogênio verde tem sido reconhecido como um importante vetor energético para o processo de descarbonização da economia mundial. Além de ser um relevante alvo de políticas de investimento de empresas do setor energético e industrial, o hidrogênio passou também a compor a estratégia energética doméstica de diversos países.
Apesar de já ser largamente utilizado na indústria, o hidrogênio ainda é, em grande parte, produzido a partir de fontes fósseis. Assim, devido à grande versatilidade de sua aplicação, o hidrogênio verde tem chamado atenção no cenário internacional, particularmente na Europa. Ele pode ser utilizado como matéria-prima para siderurgia e refinarias de petróleo, como futuro combustível para transportes (para veículos de passageiros, frete ferroviário ou até mesmo navios e aviões) e para uso energético industrial. Os carros poderiam se abastecer com hidrogênio que tem emissão zero.
Assim, essa nova fonte de energia torna-se uma promessa cada vez mais importante, tanto compreendendo os movimentos internacionais em busca de práticas para o desenvolvimento de energias limpas, quanto atreladas à conjuntura internacional associada à procura de países europeus pela diversificação de sua fonte energética, tendo em vista sua dependência do gás natural, principalmente de origem russa.
No entanto, esse mercado ainda possui diversos desafios pela frente. Um deles é a necessidade de aumentar a eficiência de catalisadores, minimizar perdas energéticas e aprimorar o processo de armazenamento deste vetor. Mas, apesar de desafios logísticos, legais e tecnológicos envolvidos, a Comissão Europeia espera que o hidrogênio desempenhe um papel importante nos objetivos da UE de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em mínimo de 55% até 2030 e atingir zero emissões líquidas até 2050, mostrando altas expectativas e uma corrida para o desenvolvimento deste mercado.
A formação de um mercado internacional e seus players
O que presenciamos, então, é a criação de um novo mercado internacional, possibilitado pelo processo Power-to-X, que determina a produção de hidrogênio verde com fontes de energia limpa - eólica e solar - para aplicação na siderurgia, indústria química e transporte de carga, as quais ainda dependem de combustíveis fósseis com alta emissão de CO2.
Assim, grandes empresas começam a disputar esse mercado e identificar oportunidades. Países com abundância de recursos eólicos e solares, como Brasil, Argentina, Chile, Austrália, África do Sul, Níger, Mali e Namíbia ganham destaque como destino para os investimentos. O principal objetivo passa a ser a associação desse potencial com a produção de hidrogênio verde para abastecimento dos mercados internacionais como importante recurso no processo de transição energética. Isso porque importantes países inseridos em projetos de transição energética não possuem capacidade interna para este tipo de produção. A Alemanha, por exemplo, que prevê 110 TWh de hidrogênio verde até 2030, projeta ter capacidade para produzir somente 14 TWh. Consequentemente, o governo já lançou a iniciativa H2Global, com o objetivo de apoiar projetos de investimentos no exterior, assim como a importação de hidrogênio. Ou seja, o grande potencial dos países já citados para gerar energias renováveis poderia cobrir suas necessidades nacionais, direcionando sua produção de hidrogênio verde para exportação.
Tudo isso explica a onda de anúncios de investimentos, parcerias e memorandos de entendimento (com governos estaduais) de grandes players europeus no Brasil. Observa-se a presença das petrolíferas, que já estão no Brasil explorando o pré-sal e com presença na distribuição de combustíveis e gás, como a britânica Shell, segundo maior produtor de petróleo no Brasil. A empresa tem como estratégia ocupar uma posição de liderança na produção de hidrogênio. A Shell, que tem projetos para essas instalações em diversos países como Holanda e Alemanha, tem, junto ao Ibama, seis projetos de geração de energia eólica offshore no Brasil, além de sua aproximação com o hub de hidrogênio verde no Ceará.
A TotalEnergies, outra empresa europeia do ramo petrolífero, investe na geração de energia livre de carbono, e assinou, também com o governo cearense, um memorando para a viabilidade de implantação de projetos para produção de hidrogênio verde. Também a BP e as estatais norueguesa Equinor (antiga Statoil) e italiana ENI abriram no Brasil uma segunda frente, ao lado dos investimentos no pré-sal, posicionando-se na produção de hidrogênio verde para exportação à Europa. Além das petrolíferas, outras empresas europeias atuando no ramo de energia, como a Siemens Energy, entraram nesse mercado no Brasil
A escolha do Nordeste se deve a dois fatores: primeiro, a disponibilidade das energias renováveis para o processo de eletrólise e, segundo, a posição geográfica para exportação para a Europa, em particular para o porto de Roterdã, na Holanda.
Os atores (e não atores) brasileiros
O Brasil possui uma das melhores pré-condições para o estabelecimento de um desenvolvido setor energético limpo, e poderia ser um dos líderes mundiais da fronteira do hidrogênio verde. Além da capacidade hidrelétrica, possuímos um espaço gigantesco para o crescimento das energias solar e eólica, até então pouco utilizados em relação às possibilidades naturais e geográficas do país. No caso do hidrogênio verde, a falta de estrutura nacional para ambas as energias é um desafio a mais, somado à própria falta de uma estratégia nacional focada no hidrogênio verde. Alguns projetos estão em desenvolvimento, e o elo que os une é o fato de serem tocados por empresas estrangeiras com foco na exportação para a Europa.
O que mais chama a atenção é o contraste entre a estratégia das petrolíferas europeias, que apostam simultaneamente no pré-sal e nas energias renováveis. Se por um lado destaca-se a aposta no hidrogênio verde, percebe-se também a total ausência da Petrobras nesta corrida. E não é por falta de capacidade de investimento. Apenas no primeiro trimestre de 2022, a Petrobras registrou lucros de R$ 44,5 bi, o maior dentre todas as petrolíferas até então, no mesmo período. Mas em vez de investir no futuro, limita-se a explorar o pré-sal para poder distribuir R$48,5 bi de dividendos aos seus acionistas, mais de 2/3 privados. Está na hora de debater qual Petrobras o Brasil quer.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho