A linha do tempo da humanidade contempla milhares de anos de história registrada em documentos, normalmente criados em favor de narrativas específicas da cultura dominante. Diante disso, o período de uma vida inteira pouco influi no fluxo histórico, cujas grandes intervenções tem seus efeitos sentidos por séculos.
O que dizer, então, de uma alteração de status social ocorrida há trinta e dois anos? Com certeza se faz prematuro afirmar que esta esteja arraigada à cultura estabelecida. Pois esta é a situação quanto a modificação implementada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ao retirar o termo “homossexualismo” da CID-10 (Código internacional de doenças).
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Como quase sempre digo, as datas de celebração devem ser encaradas, em sua ampla maioria, a partir de um viés reflexivo. O que celebrar diante de uma realidade que pouco conversa com a proposta comemorativa? Neste caso, do 17 de maio, muitos pontos devem ser colocados em xeque quanto ao teor presumidamente proposto.
Posso afirmar, com a propriedade de ter sido a primeira pessoa trans eleita Deputada no Brasil, em 2018 (28 anos após a resolução da OMS), que a luta por igualdade, apesar dos avanços, ainda se encontra em patamar incipiente. Os dados que comprovam a tese são alarmantes e de fácil acesso. Numa visão global, em 42 países há barreiras legais à liberdade de expressão sobre questões de orientação sexual e de identidade de gênero. Vindo ao território nacional, vale, apenas como base simplória de afirmação, colocar a mais cruel das constatações: somos o país que mais mata pessoas trans no mundo (por 13 anos consecutivos, se o teor não soa convincente).
Há menos de dois anos, trazendo a lente de observação para um local ainda mais próximo, travamos uma verdadeira batalha para anulação do PL 504/2020, instrumento utilizado, na casa legislativa estadual, para afastar pessoas LGBT’s de quaisquer peças de publicidade. Pois, em pleno século XXI, adentramos, na suposta casa do povo, numa mobilização por uma narrativa pública de complemento à luta legislativa interna, se contrapondo, pedagogicamente, ao discurso discriminatório do projeto de lei.
Portanto, e essa é a maior reflexão que podemos tirar do dia 17 de maio, é responsabilidade de todos, absolutamente todos, despender esforços para que as democracias se aprofundem e acolham aqueles que, pelo decorrer do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo, estiveram à margem, negociando o pertencimento sob o risco da própria vida. É assim que expresso os anseios de um novo marco civilizatório, de um compromisso coletivo com uma democracia real, que só o será quando pessoas LGBT não forem objeto de um tratamento desumanizador, cruel e criminoso.
Sigamos pelo projeto de mudança, pela vida em sua plenitude, que é direito de todos.
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Edição: Glauco Faria