Pressionado pelo aumento dos combustíveis e da inflação durante o ano eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) resolveu “agir”. Em menos de dois meses, ele demitiu o antigo presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna; indicou para o cargo o químico José Mauro Ferreira Coelho; demitiu o ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque; e, por fim, deu seu aval para que o novo ministro Adolfo Sachsida anunciasse estudos para privatizar a estatal.
Em meio a tudo isso, Bolsonaro ainda reclamou do lucro crescente da Petrobras e pediu que a companhia parasse de reajustar os combustíveis, indicando assim uma suposta insatisfação com sua política de preços.
Apesar disso, o presidente, que tem poderes de sócio controlador da Petrobras, não tomou nenhuma atitude concreta contra o real motivo da alta da gasolina e do diesel: o pareamento entre os preços praticados pela estatal e os preços vigentes no mercado internacional.
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Adotada em 2016, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), por uma decisão do Conselho de Administração da Petrobras, a chamada paridade dos preços de importação (PPI) pode ser abolida também por decisão do conselho. O governo tem maioria na instância decisória –seis membros dos 11 totais.
Bolsonaro, no entanto, nunca demandou que uma nova política de preços fosse debatida pelos administradores da Petrobras. Para quem acompanha o dia a dia da estatal, isso indica que ele anuncia mudanças para tentar se isentar de qualquer culpa sobre a alta de preços pensando na eleição. Na verdade, entretanto, está comprometido com o ganho de investidores, e por isso não intervirá para redução dos preços da gasolina e diesel.
“Bolsonaro não muda a política de reajustes porque não quer desagradar acionistas privados, que têm no PPI a garantia de altos lucros gerados pela estatal, cuja diretoria é nomeada pelo próprio presidente da República”, disse o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar. “Bolsonaro mente quando diz não poder mudar o PPI.”
De acordo com Bacelar, por conta do PPI, o preço da gasolina vendida pela Petrobras a distribuidores de combustíveis subiu 155,8% desde 2019, durante a gestão Bolsonaro. O diesel aumentou 165,6% no mesmo período, e o gás de cozinha, 119,1%.
Por conta dos aumentos de preços, o lucro da estatal em 2021 atingiu valor recorde: R$ 106 bilhões. E continua crescendo. Nos primeiros três meses de 2022, a companhia lucrou R$ 44 bilhões, 3.700% a mais do que no mesmo período do ano passado.
O lucro trimestral foi anunciado no último dia (5). No mesmo dia, Bolsonaro afirmou em live que o ganho era um “estupro” e um “absurdo”.
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No dia seguinte, entretanto, o novo presidente da Petrobras, escolhido por Bolsonaro, disse a representantes de bancos de investimento que a companhia tem compromisso com sua rentabilidade e o pagamento de dividendos a acionistas.
“Essa Petrobras construída nos últimos anos gera mais valor em suas operações e, assim, mais retorno para seus acionistas, incluindo a sociedade brasileira”, disse Coelho, pela manhã.
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Horas mais tarde, à noite, o então ministro Bento Albuquerque deixou o governo. Assumiu seu lugar Adolfo Sachsida, até então chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia, de Paulo Guedes.
"A mudança no ministério e o anúncio da privatização são um jogo de cena", analisou Rosângela Buzanelli, integrante do conselho de administração da Petrobras eleita pelos funcionários. "Com isso, Bolsonaro tentar tirar de si a responsabilidade sobre os preços dos combustíveis e agradar seu eleitorado."
‘Culpa não é minha’
O economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social da Petrobras (OSP), confirmou que as mudanças promovidas por Bolsonaro no Ministério de Minas e Energia (MME) e na Petrobras em nada afetam o PPI. “No MME foi nomeado um ultra-liberal que já quis anunciar estudos sobre a privatização da Petrobras. E o Mauro Coelho é também um defensor da política de preços”, afirmou. “Ambos não têm intenção alguma em modificar nada que atacasse os preços dos combustíveis.”
Sobre a possibilidade de privatização, aliás, Dantas crê que ela é uma jogada eleitoreira. Para ele, ao dar início a estudos para venda da empresa, o presidente tenta transmitir a mensagem de que a culpa sobre os preços dos combustíveis não é dele e ainda cria uma “festa no mercado”.
“A privatização da maior empresa do país, ainda mais em um momento onde em três meses a empresa gera lucros de mais de R$ 40 bi, seria um combustível para garantir e reacender o apoio empresarial ao Bolsonaro nas eleições”, analisou Dantas.
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Dantas afirmou ainda que a privatização da empresa não significa redução de preços. Lembrou que a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, foi privatizada no ano passado. Hoje, a Acelen, empresa que a comprou, cobra 18% a mais que a Petrobras pela gasolina vendida a distribuidoras e 14,2% a mais pelo diesel.
O caminhoneiro Wallace Landim, o Chorão, presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), também é contra a privatização da Petrobras. Reforçou que a venda não mudaria o valor dos combustíveis no Brasil. “O problema que precisa ser enfrentado agora é a política de preços da Petrobras”, declarou, em nota pública. “O povo não aguenta mais aumentos.”
Sobre a troca de ministro das Minas e Energia, Chorão questionou sua motivação. “Minha pergunta é se esse movimento no MME é para jogar para torcida ou mercado”, declarou. Chorão fez campanha por Bolsonaro durante as eleições presidenciais de 2018. Hoje, já declarou estar decepcionado com seu governo.
Sachsida entregou nesta manhã a Guedes um pedido formal para que a secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) realize estudos para privatização da Petrobras e também da Pré-Sal SA (PPSA), estatal que representa a União nos contratos de partilha do pré-sal.
Não há qualquer previsão sobre quando o estudo ficará pronto e quais as condições para uma eventual privatização, que provavelmente não ocorreria neste mandato de Bolsonaro.
Edição: Felipe Mendes