Coluna

O copo meio vazio da democracia brasileira

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Bolsonaro viu na condenação de Daniel Silveira a oportunidade para se recolocar na conjuntura política - Mauro Pimentel/AFP
Se depender de Campos Neto, a melhor forma de eliminar a doença é matando o paciente

Olá, enquanto a mídia se preocupa com a opinião de Lula sobre a Ucrânia, poucos se movem para impedir o plano de Bolsonaro de transformar Brasília em Kiev.

.O centro do tabuleiro. Depois de um primeiro de maio abaixo das expectativas, estampar a capa da Time foi a boa notícia da semana para Lula, fortalecendo uma imagem de estadista internacional frente a qual Bolsonaro não é páreo. Ao mesmo tempo, a repercussão em terras brasileiras é um sinal de que não vai haver dia fácil para a campanha se depender da imprensa, que preferiu criticar uma opinião imparcial sobre a guerra da Ucrânia.

Mas o que a turma da “escolha difícil” quer mesmo saber é o que Lula pensa sobre a economia e quem será o nome forte da pasta. Thomas Traumann sugere ainda que Lula copie as lições da campanha de Biden contra Trump: entenda os motivos da derrota da eleição passada, entendendo as mudanças geracionais e com discursos segmentados, faça política e não transforme a disputa numa saga pessoal. O quesito “fazer política” já está na lista dos petistas.

Com a morte anunciada da terceira via, eleitores e parlamentares do MDB e PSDB serão disputados a tapa por Lula e Bolsonaro, enquanto o União Brasil já se acomoda no Planalto. Por isso, a próxima fase da campanha deve ser pôr o pé na estrada, começando por estados onde o bolsonarismo é mais forte, como Santa Catarina, enquanto torcem para que “Alckmin seja o Alckmin”, para fazer a ponte com o agronegócio e o mercado financeiro. Além disso, o lançamento da chapa no dia 7 deve ter ares de “Diretas Já”, com um palanque amplo, da esquerda já comprometida à líderes avulsos do PSD e MDB.

.Jair e Daniel. Bolsonaro viu na condenação de Daniel Silveira a oportunidade para se recolocar na conjuntura política. Mas ao contrário de vezes anteriores, em que o terceiro escalão do bolsonarismo foi abandonado pelo chefe no dia seguinte, desta vez não há sinais de moderação. Isso faz Silveira acreditar que não precisa cumprir decisões judiciais. O que mudou? Sem nada para apresentar, Bolsonaro talvez tenha percebido que a cruzada de Silveira pode ser sua melhor peça de propaganda eleitoral. Não à toa, está sendo organizada uma motociata no Rio de Janeiro e até uma campanha de arrecadação de recursos para o deputado.

Parte do cálculo implica jogar no mesmo saco Lula e o STF, plantando a desconfiança sobre a neutralidade do Judiciário e transformando o Supremo num comitê permanente de gestão de crises. Claro que a jogada não é simples, pois Bolsonaro corre o risco do isolamento e de jogar de vez o centro no colo de Lula. Além disso, o STF resolveu agir em pequenas doses e, com o julgamento do senador Jorge Kajuru (Podemos - GO), mandou um recado ao Congresso de que a imunidade parlamentar não é uma carta branca para a impunidade.

Ao mesmo tempo, o ministro Alexandre de Moraes apertou o cerco contra Daniel Silveira, cobrando multa e congelando suas contas, investigando possíveis cúmplices, e pedindo explicações sobre o financiamento da motociata bolsonarista ocorrida na Páscoa. Mas sempre tem a turma do “deixa disso” que acredita que a crise pode ser resolvida com cafezinho e tapinha nas costas. Só que desta vez a bagunça produzida pelo vizinho chegou ao quintal do Congresso. Além de não haver data prevista para votar a cassação de Silveira na Câmara, seus aliados insistem em manter a nomeação do deputado em comissões da Casa. E empolgados com o cabo de guerra, senadores bolsonaristas resolveram pautar o impeachment de ministros do STF dentro do Senado.

.Como será o amanhã? Não é de admirar que a crise entre o Executivo e o STF desembocou no tema das eleições. Afinal, desde o indulto a Daniel Silveira, Bolsonaro se sentiu forte o suficiente para escancarar suas intenções golpistas. E a ideia de que o PL contrate uma empresa para auditar o processo é a nova roupa do “voto impresso”. No fim das contas, literalmente todo mundo sabe que o objetivo do capitão é questionar as eleições, precavendo-se de uma derrota nas urnas.

Joe Biden e o Congresso dos Estados Unidos sabem disso, e o recado de que o governo norte-americano não está disposto a apoiar uma aventura golpista no Brasil já foi dado pela CIA no ano passado. Se a aposta do capitão é jogar as forças armadas contra o sistema eleitoral, o acordo de cavalheiros entre o presidente do STF, Luiz Fux, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, não convenceu. Afinal, dentro da Comissão de Transparência do TSE, o garoto de recado de Bolsonaro é um militar, o general Heber Portella, que insiste em levantar dúvidas sobre a confiabilidade das urnas com base em argumentos já desmentidos pelo Tribunal. E tem mais por vir: a escolha de um ministro substituto do TSE, que será indicado por Bolsonaro com base numa lista tríplice, promete ser um novo capítulo dessa batalha eleitoral.

Claro que há movimentos preventivos. É o caso da campanha que convocou os jovens a tirarem o título de eleitor. Mas apesar do resultado positivo, o número de jovens aptos a votar é menor do que nas últimas eleições. A justiça eleitoral também faz o tema de casa, tomando medidas para agilizar a apuração dos votos e torná-la mais transparente. Mas as reações ainda são tímidas. Exemplo disso é que, mesmo contando com o apoio do Senado, o TSE cedeu às pressões vindas do Itamaraty e voltou atrás na proposta de convidar observadores europeus para acompanhar as eleições de outubro. 

.Cloroquina. Se depender de Campos Neto, a melhor forma de eliminar a doença é matando o paciente. O Banco Central aumentou pela décima vez seguida a taxa básica de juros, seguindo a tendência de eutanásia econômica iniciada em março de 2021. A Selic agora é de 12,75%, mas já há quem preveja que ela deve aumentar mais um ponto e até quem defenda que chegue em 14%.

Ótimo para quem vive do rentismo; ruim para o Estado, que agora terá que pagar o maior juros da dívida pública da história; e péssimo para os 77% de brasileiros que estão endividados até o pescoço, o maior índice dos últimos doze anos. Mais do que isso, o aumento da taxa de juro freia o crescimento econômico imediatamente - como a produção industrial que segue devagar quase parando - mas só deve ter efeitos práticos na contenção da inflação daqui há nove meses. Não à toa, até o Haiti vai crescer mais que o Brasil em 2022. O mercado de trabalho só parece reagir porque não há como ser pior do que antes. Ainda assim, quase 45% da população economicamente ativa está desocupada ou fora da força de trabalho.

Mas não está ruim para todo mundo. Só para a base da pirâmide. Lá no alto, o agronegócio surfa com a inflação dos alimentos, tanto que até o real se valorizou. O mercado global precisa de soja? Azar do brasileiro que precisa de óleo de cozinha. Também vai tudo bem para os acionistas da Petrobras, que já pode pensar no que fazer com um lucro no primeiro trimestre 3.200% do que no mesmo período do ano passado. E, apesar de 67% da população desejar uma intervenção nos preços dos combustíveis e na Petrobras, vai ficar tudo como está: caro, muito caro.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.As manifestações do Primeiro de Maio. No A Terra é Redonda, Tarso Genro faz o balanço do 1º de maio pedindo atenção para a crise internacional e a crise do trabalho.

.Guerra, fome e insurreição. Dias piores virão com a fome e a inflação global causadas pelo conflito na Ucrânia, anuncia Oliver Stuenkel na Piauí.

.O revival tropical de expressões fascistas e nazistas. No Labs, Ariel Palacios identifica os termos do nazismo e do integralismo reciclados no discurso bolsonarista.

.Retrato da regressão produtiva no Brasil. No Outras Palavras, Marcio Pochmann detalha o papel da desindustrialização na crise de destino brasileira.

.Chile de Boric pode ser exemplo de como enfrentar o problema de uma polícia ideologizada. No GGN, Victor Farinelli escreve sobre a delicada relação do novo governo chileno com as instituições policiais.

.1º ano da bancada negra expõe desafios de novos vereadores em 'espaço monocromático'. O Sul21 faz um balanço do primeiro ano de atuação das quatro vereadoras e um vereador da bancada negra da Câmara de Porto Alegre.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Rebeca Cavalcante