Há um ano, no dia 6 de maio de 2021, a operação policial mais letal do estado do Rio de Janeiro aconteceu na favela do Jacarezinho, na Zona Norte. A operação "Exceptis" da Polícia Civil resultou em 28 mortos, entre eles um agente, e teve repercussão na imprensa mundial pelo que ficou conhecida como a Chacina do Jacarezinho.
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Desde então, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) ouviu moradores da comunidade, profissionais da área de segurança pública, familiares de vítimas e defensores públicos sobre o caso. Entre os depoimentos, a presidente da comissão, a deputada estadual Dani Monteiro (Psol), destaca as sequelas que permaneceram nas crianças.
“As professoras da creche no Jacarezinho relataram os traumas que as crianças adquiriram após a operação. Um barulho de helicóptero ou estouro mais forte, não necessariamente de tiro, causa sobressalto nas crianças, elas pedem para voltar para casa, ver seus pais”, disse em entrevista ao Brasil de Fato.
Para a parlamentar, é lamentável que as operação policiais possam ser comparadas ao cenário de guerra que vemos na Ucrânia. Diante do que ocorreu no Jacarezinho, a comissão produziu um relatório com recomendações para a proteção dos agentes e moradores, mas na prática a parlamentar afirma que o grupo atua "de um modo como tragicamente definimos de enxugar gelo sujo de sangue."
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Qual é a avaliação da Comissão de Direitos Humanos sobre a chacina do Jacarezinho?
Dani Monteiro: De que para garantir a segurança pública para o cidadão fluminense ainda há muito o que se estruturar no campo judiciário e especialmente no campo da atuação das polícias. Nosso estado não tem pena de morte, então não é possível que uma operação policial seja realizada nos moldes como foi a do Jacarezinho.
Na operação do dia 6 de maio de 2021, que vitimou o policial André Frias, foi o momento de passagem da linha do trem para o acesso da comunidade. Fica nítido a ausência de estratégias que resguardem a vida dos policiais e moradores. Também nesse caso a vida dos trabalhadores que passavam pelas linhas do metrô e da Supervia. As concessionárias não foram avisadas e houve desespero nas estações de Triagem e Maria da Graça, inclusive com pessoas feridas no vagão.
Para combater o crime organizado dentro da sociedade, não podemos ter uma tática de guerra semelhante ao que vemos nas invasões da Rússia à Ucrânia.
Precisamos de uma política pública de segurança cidadã, que se paute pela vida e tenha a centralidade no desmembramento de crimes cometidos nas comunidades.
Se há alojamento de facções criminosas que cooptam a juventude para o varejo de drogas, é preciso que a Polícia Civil, responsável pelas investigações, tenha um mapeamento prévio. Não pode simplesmente entrar na comunidade na força da bala. Os servidores não podem e não devem agir como o crime organizado.
Essa mudança perpassa por um novo olhar para a favela, como um espaço que precisa de políticas públicas, garantia de direitos, e não do controle social promovido pela segurança pública.
A Comissão também ouviu testemunhas e familiares das vítimas para produzir um relatório sobre o caso. Que resultados a Comissão apresenta?
Chegamos ao final com recomendações que devem ser seguidas pelo poder público para garantir o cumprimento da ADPF 635 no estado. Precisamos e devemos ter a regulamentação da legislação que prevê câmera no uniforme dos policiais. Temos o lastro dessa política pública no estado de São Paulo, que tem altos índices de letalidade, e quanto essa letalidade policial foi reduzida a zero no primeiro mês da aplicabilidade das câmeras.
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É preciso que a ideia da impunidade aos servidores no campo da segurança não exista no nosso estado.
Nossa comissão resguarda o direito dos servidores que muitas vezes são levados pelos seus oficiais, como foi o caso do ex-governador Wilson Witzel, ao cometimento de arbitrariedades na sua atuação.
É importante resguardar o agente, mas é importante que ele não tenha poderes como prevê a súmula 70 do Tribunal de Justiça Estado do Rio de Janeiro [TJ-RJ] onde o depoimento do policial vale como prova. É nítido o quanto os dados de segurança pública do estado são alarmantes, do ponto de vista da ausência de resoluções e das vidas que são perdidas no bojo da ação dessa política.
O desmembramento das secretarias em polícia civil e militar compromete uma política unificada de segurança pública. A gente já tem muitas políticas aprovadas que precisam ou ser regulamentadas ou de fato implementadas no campo da segurança pública e garantia de direitos humanos.
Outras operações policiais violentas continuam acontecendo no estado. Qual papel da comissão nesses casos?
Infelizmente elas seguem acontecendo. E, ao meu ver, não tratando o cumprimento integral das decisões preliminares que apontam a ADPF 635, que colocava as operações no campo das excepcionalidades.
O que vimos acontecer no Jacarezinho e em outras comunidades não tem nada de excepcional.
É de conhecimento de muitas décadas de enfrentamento ao crime organizado que essas quadrilhas se renovam nos territórios vulnerabilizados cooptando as juventudes. Mas esse campo não pode ser utilizado como argumento para o derramamento de sangue e todas as violações cometidas naquele território.
As professoras da creche no Jacarezinho relataram os traumas que as crianças adquiriram após a operação. Um barulho de helicóptero ou estouro mais forte, não necessariamente de tiro, causa sobressalto nas crianças, elas pedem pra voltar para casa, ver seus pais.
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A nossa comissão atua na prevenção da violência pensando o quanto a garantia do direito à educação, fomento ao território, cultura, são direitos que muitas vezes previnem a cooperação da juventude.
Mas, infelizmente, às vezes atuamos de um modo como tragicamente definimos de enxugar gelo sujo de sangue.
Muitas vezes adentramos nas comunidades até mesmo durante operações policiais em curso para mitigar danos após chacinas e tragédias como foi o caso do Jacarezinho no dia 6 de maio, do Salgueiro, em São Gonçalo, mais recentemente do Jonatan, jovem de 17 anos que veio a óbito com o programa Cidade Integrada já em curso.
O Jacarezinho foi a primeira favela escolhida pelo governo do Estado para a implementação do programa Cidade Integrada. Como enxerga o projeto?
Um programa que novamente repete erros do passado. É meritório que possa haver um remodelamento de um programa, mas não houve reflexão sobre o que deu errado nas UPPs.
E o que deu errado é que não é a segurança pública que garante o exercício da cidadania. O agente policial não pode ser responsável pelos direitos que as comunidades precisam. Onde há mais vulnerabilidade social é justamente as áreas do estado que o poder executivo manda seus agentes de segurança.
O Jacaré é um dos bairros com IDH mais baixo da cidade. O que o bairro precisa é mais processos de assistência social, garantia de empregabilidade e direitos para juventude. É preciso fortalecer os equipamentos públicos da região e não apenas uma lógica de segurança pública.
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O Executivo, ao invés de investir em novos caveirões e blindados, precisa e deve ter um instituto de perícia técnica a partir da sua Casa Civil para garantir que em casos como foi a investigação do Jacarezinho não demore meses para obter os primeiros laudos.
Não é possível que o Ministério Público tenha dificuldade de acessar os laudos de óbitos porque o IML [Instituto Médico Legal] é vinculado à Polícia Civil, que inicialmente é responsável pela própria investigação.
É escandaloso que um mecanismo tão sensível quanto a privacidade das investigações seja utilizado para que o poder público e a sociedade civil não tenham acesso às informações.
É preciso repensar nosso futuro, passar uma mensagem de esperança para os trabalhadores e a juventude.
Infelizmente, um programa que se pauta pelo controle social e uso abusivo da força, que coloca um blindado do lado de uma vala a céu aberto, ele nada tem de integração e sim de desintegração. A ideia de uma sociedade apartada, onde o bairro favelizado não merece o exercício da cidadania e a garantia dos direitos.
Edição: Mariana Pitasse