Se dependesse do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Terra Indígena (TI) Yanomami nem existiria. Desde o primeiro mandato como deputado federal ele tentou impedir a demarcação de TIs, incluindo a Yanomami.
Em 1995, sua justificativa era essa: "Com a indústria da demarcação das terras indígenas, assim como Quebec quase se separou do Canadá, num curto espaço de tempo, os yanomamis poderão, com o auxílio dos Estados Unidos, vir a se separar do Brasil".
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Quase 30 anos depois, o ex-capitão carregou para a presidência sua obsessão de desterrar os povos originários em prol do agronegócio. O chefe de Estado incentiva publicamente a invasão garimpeira que cresceu em ritmo inédito sob seu governo e expõe os Yanomami a mortes, doenças, desnutrição e até abusos sexuais em troca de comida.
Em uma das muitas declarações de apoio à atividade predatória, disse em 2021 que “não é justo, hoje, querer criminalizar o garimpeiro no Brasil”. Logo depois, em mais um ataque de sinceridade, contou a origem da sua simpatia aos criminosos ambientais: “Não é porque meu pai garimpou por um tempo. Nada a ver”, emendou.
Segundo a Hutukara Associação Yanomami, a mineração ilegal teve crescimento de 30% em 2020 e de 46% em 2021 no território, e mais de 100 moradores da TI morreram em decorrência do garimpo ilegal no ano passado.
Relembre ocasiões em que Bolsonaro contribuiu para a invasão garimpeira na TI Yanomami:
"Justifica isso?"
Em novembro de 2020, Bolsonaro reafirmou que a TI Yanomami não deveria existir. Repetindo um argumento mentiroso utilizado por ruralistas, disse que a demarcação de terras ancestrais ameaçava o agronegócio e se vangloriou de não ter dado sequência a processos demarcatórios em seu governo.
"A reserva Yanomami. Tem mais ou menos 10 mil índios. O tamanho é duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. Justifica isso? Lá é uma das terras com o subsolo mais rico do mundo. Ninguém vai demarcar terra com subsolo pobre. Agora o que o mundo vê na Amazônia, floresta? Está de olho no que está debaixo da terra", disse Bolsonaro.
Defendeu garimpo durante visita à TI Yanomami
Em maio de 2021, Bolsonaro visitou a TI Yanomami, que, além da presença de garimpeiros, já registrava sete mortes de bebês por covid 19. Os principais vetores da doença eram justamente os mineradores ilegais, cuja atuação na região é repudiada por todas as organizações indígenas locais e regionais.
Segundo reportou o Brasil de Fato, o presidente cumpriu agenda no 5º Pelotão de Fronteira do Exército, que fica dentro da Terra Indígena Yanomami, região da Comunidade Maturacá. Com máscaras de proteção e lanças nas mãos, dois caciques leram uma carta de reivindicações para o presidente.
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Em seguida, Bolsonaro disse que respeita a decisão dos indígenas contra o garimpo, mas frisou que trabalha para aprovar a mineração em terras indígenas porque, segundo ele, essa é uma demanda "dos índios".
"Tem outros irmãos índios, em outros locais, dentro e fora da Amazônia, que desejam minerar terra, que desejam cultivar terra, e nós vamos respeitar esse direito deles", disse.
Inaugurou ponte que facilitou acesso de garimpeiros
Logo antes da visita à TI Yanomami, Bolsonaro havia inaugurado uma ponte de madeira de 18 metros de comprimento. A estrutura é um acesso da BR-307, que cruza a TI Yanomami e liga o município de São Gabriel da Cachoeira a comunidades indígenas em Maturacá, um dos locais que mais sofrem com os efeitos do garimpo.
A inauguração gerou receio e medo na região, já que os indígenas temem que a ponte possa facilitar a chegada de garimpeiros e mineradoras na TI.
Ao El País, o líder Yanomami Dário Kopenawa afirmou que é “uma cara de pau” de Bolsonaro fazer a visita em meio à pandemia de covid-19, colocando em risco a saúde de toda a população local em uma época em que a pandemia não estava controlada, em parte por omissão do próprio governo federal.
Descumpriu decisões do STF
Diante dos novos capítulos da crise humanitária que assola os Yanomami, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a proteção dos indígenas da região.
Na ação, a Apib denunciou a conivência do governo federal com os crimes em territórios indígenas e acusou Bolsonaro de provocar uma nova onda de migração de garimpeiros para os locais de extração de minerais.
A Apib afirma que o governo federal descumpre reiteradamente duas decisões do STF que obrigavam o governo a expulsar garimpeiros de terras indígenas durante a pandemia, incluindo a TI Yanomami.
“[O descumprimento é] tanto no que diz respeito ao isolamento e contenção de invasores, quanto na adoção de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas que habitam a TI Yanomami”, escreveu na petição o coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena.
Chefe da Funai: garimpeiros também são vítimas
O presidente da Funai e fiel executor da política anti-indígena de Bolsonaro, Marcelo Xavier, disse no mês passado que os "garimpeiros são tão vítimas" quanto os Yanomami. A declaração foi ao ar durante entrevista à rádio Joven Pan.
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Perguntado sobre cenário de fome, doenças e exploração sexual na Terra Indígena Yanomami, Xavier disse que os garimpeiros trabalham em condições insalubres: "O problema tem duas vítimas, tanto o indígena quanto o garimpeiro".
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com as assessorias de imprensa da presidência da República e da Funai, mas não obteve resposta até a publicação. Uma nota publicada no site da Funai elenca ações recentes do governo federal em prol dos Yanomami:
"Em 2021, R$ 34 milhões do Governo Federal foram aplicados em operações, como a de combate ao garimpo ilegal realizada na Terra Indígena Yanomami que resultou em 89 aeronaves apreendidas e 38 pessoas presas. Também foram apreendidos quase 30 mil quilos de minério, 850 munições e nove embarcações. Além disso, foram inutilizados 89 mil litros de combustíveis, 10 balsas, 11 veículos, quatro tratores e 22 postos de combustíveis interditados", diz o comunicado.
Edição: Felipe Mendes