A saída de Walter Braga Netto do comando do Ministério da Defesa, publicada no Diário Oficial da União de 31 de março, ofuscou uma decisão confirmada naquela mesma edição: a nomeação do general da reserva como assessor especial do gabinete pessoal do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Apontado como candidato a vice na chapa do atual chefe do Executivo para a disputa pela reeleição presidencial, Braga Netto teve que deixar a Defesa porque a legislação obriga que ministros de Estado peçam demissão de seus cargos seis meses antes do primeiro turno das eleições.
Para cargos de confiança, como o de Braga Netto no Palácio do Planalto, a lei permite que a "desincompatibilização" (termo que define o afastamento formal do cargo público) ocorra até de 2 julho, três meses antes do primeiro turno das eleições.
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Com os três meses adicionais em que vai poder "engordar" o salário, Braga Netto vai acumular uma remuneração bruta mensal de R$ 16.944,90. No total, serão R$ 51 mil ganhos pelo general da reserva no período pré-eleitoral. Além desse valor, ele segue recebendo R$ 32.734,85 brutos mensais como general reformado. Clique aqui e veja os detalhes da remuneração no Portal da Transparência.
Como assessor pessoal de Bolsonaro, Braga Netto segue gozando de status ministerial. Na última terça-feira (3), inclusive, participou da reunião do presidente com o Alto Comando do Exército, encontro que reúne oficiais do alto escalão militar.
Desde que assumiu o cargo, o general da reserva acompanhou o presidente em quatro viagens. Em todas elas, foram registrados episódios com teor político-eleitoral. Uma das viagens foi feita para encontrar lideranças evangélicas em Cuiabá (MT), na “Marcha para Jesus”, no último dia 19.
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República para verificar se o órgão pretende se posicionar sobre o tema. Até o momento, não houve resposta ou acusação de recebimento da demanda. O espaço segue aberto para manifestações.
"O cara do mapa da mina"
Os pesquisadores Ana Penido, doutora em Relações Internacionais, e Rodrigo Lentz, doutor em Ciência Política, ambos do Observatório da Defesa e Soberania Nacional, comentaram a escolha de Braga Netto para vice de Bolsonaro, em entrevista recente ao Brasil de Fato.
Os autores do dossiê A questão militar no Brasil: o retorno do protagonismo dos militares na política disseram que o general reformado é "o cara que tem o mapa da mina", em referência à experiência acumulada na intervenção federal do Rio de Janeiro, em 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB).
"Ele é o cara que literalmente sabe de toda a economia criminal do submundo do Rio de Janeiro. Tudo indica que ele tem relação com a economia que financiou as campanhas de vereador e de deputado do Bolsonaro e, depois, da sua família", disse Penido.
Segundo ela, Braga Netto "nunca foi um ministro qualquer". "No próprio instituto, a gente mudou a nossa abordagem da questão quando ele se tornou ministro da Casa Civil. Porque, até então, a maior parte das matérias da imprensa tratavam os militares como uma 'ala militar'", disse.
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"Desde quando o Braga Netto assume a Casa Civil muda completamente porque não existe mais uma ala. Ele tem muito mais informações do que o presidente sobre a própria vida dele, talvez. Fica muito nítido que os militares não eram só um grupo político para compor a base do governo Bolsonaro", concluiu.
De acordo com Rodrigo Lentz, "Braga Netto cumpre uma função na chapa melhor do que o Mourão para a coesão interna das Forças armadas, principalmente o Exército". O cientista político aponta que a decisão "promove uma imagem de que a chapa é apoiada pelas Forças Armadas, que é uma chapa das Forças Armadas, que até o governo das Forças Armadas".
"Considerando que o Braga Netto, essa figura que tem o mapa da mina, é um ótimo representante, em uma hipótese que a gente tem trabalhado, de que as milícias cariocas sejam também um subproduto militar. Os dois que que estão presos e respondem pelo assassinato da Marielle Franco e do Anderson são militares. O assassinato da Marielle aconteceu justamente nos primeiros dias da intervenção federal. Há aí um simbolismo que envolve as milícias", declarou.
Edição: Felipe Mendes