Coluna

O papel do programa de governo para mulheres na reconstrução do país

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A sobrevivência tem se tornado a única régua possível com a qual se mede a vida e, bem sabemos, viver é muito mais do que sobreviver. Viver é, e deve ser, um direito - Rovena Rosa / Agencia Brasil
Uma reflexão necessária para a mobilização das trabalhadoras e a importância de suas demandas

A construção de um programa de governo deve ser, antes de tudo, uma ferramenta estratégica de mobilização das mulheres para transformar o mundo, não apenas um conjunto de intencionalidades tecnicistas.

Por exemplo, ao longo desta semana de 1 de maio, as mulheres do PT estão publicando o especial “Maio das Trabalhadoras”, uma série de entrevistas com mulheres de diversas categorias -- metalúrgicas, domésticas, comerciárias, enfermeiras, da saúde, dos transportes e muito mais -- , em que elas expõem suas principais demandas, dificuldades e planos e sonhos para 2022.

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Essa diversidade de vozes, demandas, pautas e necessidades é um dos nossos nortes na construção de um programa de governo que tenha como estratégia principal a centralidade das trabalhadoras, com recortes fundamentais de classe e raça. Mas não é o único.

O longo e tenebroso inverno que o governo Bolsonaro impôs às políticas públicas como um todo, principalmente àquelas que mais atingem as mulheres, deixou um cenário de terra arrasada; privou as trabalhadoras do mais instintivo direito de sonhar – vide os aumentos estarrecedores casos de depressão, debilidade de saúde mental, desemprego, fome, despejo.

A sobrevivência tem se tornado a única régua possível com a qual se mede a vida e, bem sabemos, viver é muito mais do que sobreviver. Viver é, e deve ser, um direito.

E para esses direitos serem assegurados, sobretudo em uma sociedade patriarcal, machista e racista como a nossa, é importante que o Estado ocupe um papel estratégico na garantia do bem-estar pleno das mulheres – um Estado que compreenda fundamentalmente que o papel delas neste mundo não é só trabalho remunerado, funções da casa e de cuidado.

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Quando há um esforço intencional (leia-se aqui das mulheres fortemente mobilizadas) de transformar essa lógica, podemos notar que há um forte abalo no status-quo social, pois ocupamos as bases da reprodução da vida. Em outras palavras, somos a metade de população que, de alguma forma, pari e/ou cuida da outra metade.

Por isso que, quando nós feministas falamos “um mundo melhor para as mulheres é um mundo melhor para todo mundo”, não é uma licença poética, tampouco o reforço do imaginário da alteridade do amor feminino, ou um devaneio de quem julga em causa própria.

Esta é uma afirmação sobre a urgência da necessidade de transformar toda a lógica capitalista que vem devastando a existência da vida humana na Terra. E essa transformação não é possível sem a participação e o protagonismo das mulheres em todas as esferas, sobretudo nas decisões estratégicas dos rumos do país.

Em 2022, a disputa eleitoral é a principal via aberta para fazer esse debate. O programa de governo de Lula é uma ferramenta estratégica para darmos cabimentos às necessidades das trabalhadoras brasileiras tão vilipendiadas pelo governo Bolsonaro. No entanto, não deve ser visto como um fim em si mesmo, até porque não existe mágica assim que sobe a rampa do Planalto.

Está em nossas mãos transformar esse processo de debate em mobilização nas regiões, a partir das organizações coletivas que as próprias mulheres criam, criaram e vêm criando para sobreviver de todas as formas. Trata-se de um processo genuíno de escuta, participação e incorporação de demandas que são as raízes fundadoras, inclusive, do próprio Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.

Pois é a partir dessa base orgânica e fundamentalmente viva que nos levantamos todos os dias para fazer resistência: movimentos sociais, do campo, da cidade, de moradia, de barragens, quilombolas, ribeirinhas, LGBTQI+, antirracistas, indígenas, juventude, sindicalistas, mas não só. Mulheres de comunidades, associações de bairro, igrejas, centros de cultura, mulheres que cuidam da estrutura, fazem as atas, mulheres de trabalhos visíveis e invisíveis da organização da própria sobrevivência e de seu papel social.

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É por causa delas, dessas raízes fundadoras, que mesmo com o inverno de Bolsonaro e de tantos golpes que sofremos nos últimos, conseguimos nos levantar, nos mobilizar e sonhar com uma nova primavera.

E se nossas raízes são sólidas e permanentes, elas são o principal ponto de referência para mobilizar a construção de um programa de governo que dê conta da complexidade de se estruturar um Estado com centralidade nas mulheres, em todos os setores das políticas públicas.

A partir daí, é possível abrir um leque de interseccionalidades que não cria uma “caixinha” e coloca todas as pautas “de gênero” em apenas um lugar, mas elas se espraiem por todos os campos da política pública governamental.

Entendendo que é preciso, em primeiro lugar, fazer um resgate do que já foi feito nas diversas áreas, principalmente durante os governos do PT. Esse é o “tronco” no qual tudo aquilo que foi construído pelas raízes fundadoras toma forma, “aparece” e sustenta um mundo de novas possibilidades.

Em seguida, fazer um balanço doloroso do tamanho dos cortes, do desgaste, da desfolhagem e dos retrocessos feitos pelo governo Bolsonaro. Então partir para os desafios colocados diante dessa nova fase – onde é possível brotar novamente, criar novos galhos.  E, finalmente, avançar para ver a primavera nascer, criar novos frutos que permitam uma transformação profunda na vida das mulheres. Afinal, não basta apenas olhar para o retrovisor, é preciso fazer da esperança, o alimento para nossos sonhos.

A mobilização e a organização das mulheres têm um papel estratégico na composição desse passo importante para a construção do programa de governo de Lula. Estamos juntas nessa empreitada, sem medo de ser feliz. 

 

*Anne Moura é feminista, indígena, manauara e petista. Secretária Nacional de Mulheres do PT.  Criadora do Projeto Elas Por Elas. Participa do grupo de mulheres do Foro de São Paulo e da Copppal (Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina). Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante