INTOLERÂNCIA

Racismo religioso: Casa de Candomblé é atacada no Maranhão

Integrantes da Casa Fanti Ashanti denunciam agressões de fundamentalistas às religiões de matriz africana

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |

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Integrantes da Casa Fanti Ashanti afirmam que insultos são constantes, direcionados especialmente a Mãe Kabeca - Márcio Vasconcellos

Integrantes da Casa Fanti Ashanti, em São Luís (MA), denunciam ataques de fundamentalistas evangélicos registrados no último dia 24 de abril. Segundo as denúncias, houve insultos e gestos de "exorcismo" direcionados às mães, pais e filhos de santo, que preparavam uma festa dedicada a Ogum.

Fundada em 1954 pelo Pai Euclides e hoje gerida pela Ialorixá Mãe Kabeca de Xangô, a Fanti Ashanti é a primeira casa de Candomblé do Maranhão e um dos mais tradicionais terreiros de Tambor de Mina do país, com atividades religiosas, sociais e culturais.


Isabel dos Santos, a Mãe Kabeca de Xangô, sucedeu pai Euclides Talabyan após seu falecimento, em 2015 / Márcio Vasconcellos

Segundo a vodunsi ahunjai Jucimeire Rabelo, os ataques são recorrentes, e especialmente direcionados à mãe Kabeca, a quem chamam de “macumbeira”. No tambor de Mina, vodunsi é a hierarquia de quem já cumpriu com todos os ritos de iniciação e "feitoria" da Casa.

“Esse ato nos assustou profundamente, mas é apenas o ápice de muitos outros que já vêm acontecendo diariamente, com alguns xingamentos dirigidos à nossa mãe, como 'lá vem a macumbeira', por algumas pessoas dessa igreja. Isso nos preocupa bastante porque aqui em São Luís vem acontecendo diversos casos de desrespeito, invasão e ataques a templos sagrados ligados às matrizes africanas”.

Um vídeo das agressões divulgado nas redes sociais ultrapassa trezentas mil visualizações. O caso está sendo acompanhado pela Defensoria Pública e outros órgãos do estado.

Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) apontam que somente em 2021 foram 586 denúncias de intolerância religiosa, o que equivale a um aumento de cerca de 141% em relação a 2020, quando houve 243 registros.

Os dados reforçam a avaliação de Jucimeire, ao afirmar que o ataque à Casa Fanti Ashanti não é um caso isolado, mas uma das consequências do racismo estrutural da sociedade brasileira.

“Quando atacam uma casa de santo, estão atacando todo o povo de matriz africana e todo o povo de afrodescendência desse país. Nós entendemos que esses atos são fruto de um racismo estrutural da sociedade brasileira e que é preciso ter atitudes firmes do Estado para coibir e proteger os espaços sagrados do povo negro e das matrizes africanas. A liberdade religiosa é um direito que deve ser exercido por todos”, pondera.

Recentemente, um caso semelhante aconteceu em São Luís, quando a Polícia Militar foi acionada para expulsar um grupo de Tambor de Crioula da tradicional Feira da Praia Grande, conhecida como Feira das Tulhas, setor turístico da capital maranhense.


A Casa Fanti Ashanti é referência da influência Jejê no Brasil e tema de estudos, teses e artigos de pesquisadores em todo o país. / Reprodução

O defensor público Jean Nunes, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Maranhão, pediu o início das investigações e, se constatadas as denúncias, a consequente responsabilização dos autores do crime de intolerância religiosa. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele explica que penalidades podem ser impostas nestes casos. 

“Além das penas em decorrência da infração penal, é possível que o agente seja responsabilizado também na esfera cível, com indenização, condenação e obrigação de não fazer, de modo que seja assegurado às religiões de matriz africana, como a qualquer outra religião neste país, o livre exercício de seus cultos e liturgias, dentro de seus espaços de reflexão religiosa. Esse é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal”, destaca.

A Secretária de Direitos Humanos do Estado, Amanda Costa, informa que integrantes da comunidade foram ouvidos. Ela garante que o estado tem buscado a construção coletiva de políticas públicas para a prevenir e coibir atos de intolerância religiosa.

“Esta Secretaria, juntamente com a Secretaria de Igualdade Racial tem buscado construir, no âmbito do Estado do Maranhão, um arcabouço de políticas públicas que possam servir para a prevenção desses fatos e o fortalecimento das instituições que têm a atribuição e a responsabilidade de apurar essas realidades, quando são registrados casos de intolerância religiosa”, disse.

No último fim de semana, os povos de terreiro e artistas tradicionais percorreram as ruas de São Luís em solidariedade à Casa Fanti Ashanti e contra o racismo religioso. A manifestação terminou com grande festa dentro da Casa, com depoimentos de diversos pais e mães de santo do estado.

Confira registros em vídeo:

 

Edição: Felipe Mendes